quarta-feira, maio 30, 2012

Vox populi



Ouvir a opinião pública tornou-se a principal preocupação dos órgãos de comunicação social. Fóruns de debate multiplicam-se nas rádios e televisões, enquanto os jornais online se abrem aos comentários dos leitores. Mas quando a voz do “cidadão anónimo” resvala para a calúnia, quem é o responsável?

A ideia de sair para a rua e “tomar o pulso” à opinião pública surgiu nos Estados Unidos, nos programas de fim de tarde dos principais canais de televisão. Paralelamente, também na América, as rádios abriam as suas emissões à participação dos ouvintes, para discutirem um tema proposto ou para lançarem ideias para reflexão.

Os jornais desde sempre estiveram abertos à participação dos leitores. No início, as notícias eram redigidas pelos próprios leitores, que as enviavam para publicação. Depois, à medida que se constituía o corpo redatorial, a colaboração dos leitores foi encaminhada para os espaços de “opinião” ou “cartas ao diretor”, mantendo sempre o escrutínio crítico do público ao jornal.

Enquanto na rádio e televisão, o resultado das entrevistas era sempre imprevisível - cabendo ao jornalista atalhar ou terminar a conversa quando as respostas escapavam ao assunto em discussão - na imprensa a edição das cartas permitia manter o rigor dentro de padrões jornalísticos.

Como explica Marisa Torres da Silva, autora de um estudo sobre as “cartas ao diretor” em Portugal, a correspondência dos leitores enviada a um determinado jornal, tem de passar por uma série de filtros antes de ser publicada. Nessa seleção, privilegia-se a relevância, ou seja, temas que estão na agenda mediática; a brevidade, a carta precisa de ser concisa; polémica, induzindo ao debate; ou autoridade, isto é, que seja bem fundamentada ou que provenha de pessoas com credibilidade ou autoridade para escrever sobre o assunto.

Em todo o caso, na imprensa, rádio ou televisão há sempre uma escolha. A priori, no caso da imprensa; a posteriori, na rádio e televisão em direto.
A internet introduziu uma nova dimensão. Ao criar as caixas de comentário às notícias online, abriu-se uma janela à participação imediata do leitor na edição eletrónica do órgão de comunicação. Desse modo a notícia é de imediato complementada com um conjunto de opiniões, tornando-a viva e em constante evolução. Ao contrário dos outros meios, na internet, o comentário pode ser anónimo e não tem edição,e isso acaba por conferir a ideia de mais liberdade de expressão, sem constrangimentos.

É costume dizer-se que a “vox populi” (ou “vox pop” como lhe chamam os media anglo-saxões) é a “voz de Deus”. Neste caso a voz divina manifesta-se aos media através da “opinião pública”, uma entidade abstrata que pode ser ouvida por métodos científicos - como as sondagens - ou recorrendo a métodos empíricos tão diversos como as pessoas que se encontram na rua, ou que telefonam para uma estação de rádio ou televisão. Do mesmo modo, os comentários online permitem aferir uma tendência da opinião pública.

Infelizmente a realidade é bem diversa.

Uma análise feita pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) aos comentários publicados na edição eletrónica do Diário de Notícias “permitiu verificar a enorme profusão de conteúdos com linguagem insultuosa e ofensiva, de incentivo à violência e ao ódio, de natureza xenófoba e homofóbica”. A análise da ERC restringiu-se ao Diário de Noticias porque resultou de uma queixa contra aquele jornal, porém uma leitura atenta permite-nos verificar que o mesmo ocorre noutros jornais digitais portugueses e estrangeiros.

A deliberação da ERC sobre as caixas de comentários deixou claro que, embora a Lei de Imprensa não comporte normativas para as edições eletrónicas, a publicação de comentários a notícias online equipara-se a um espaço de “correio dos leitores”. Cabe ao jornal decidir a publicação ou não de determinado comentário, impondo limites e definindo os requisitos para a sua validação. Para a ERC não há dúvidas, o comentário de um leitor faz parte dos conteúdos do jornal, e nesse sentido “a responsabilidade da sua publicação será assacada, em ultima instância, ao diretor do jornal”.

A frase “vox populi, vox Dei” é atribuída a Santo Alcuíno de Iorque, monge inglês contemporâneo do imperador Carlos Magno. A afirmação surge numa carta do ano de 798, dirigida ao monarca francês, porém Alcuíno dá-lhe um significado diferente daquele com que foi imortalizada: “Nec audiendi qui solent dicere, Vox populi, vox Dei, quum tumultuositas vulgi semper insaniae proxima sit”, ou seja “e estas pessoas que continuam a dizer que a voz do povo é a voz de Deus não deveriam ser ouvidas, pois a natureza turbulenta da multidão está sempre muito próxima da loucura”.

(Publicado em Setúbal na Rede em 29/05/2012)

quarta-feira, maio 02, 2012

Bad news is good news?


É costume dizer-se que, para um jornalista, uma má notícia é sempre uma boa notícia.

Não é preciso esperar por terramotos e outras grandes tragédias para encontrar “más notícias” nos jornais. Numa pesquisa rápida pela imprensa de hoje encontramos, sem grande esforço, notícias de homicídios, assaltos ou violações. Até mesmo as revistas “cor-de-rosa” deixaram de lado o glamour das purpurinas e lantejoulas para se dedicarem aos abandonos, agressões e outros dramas das figuras do jet-set televisivo. Mas não se pense que as “más notícias” são um exclusivo da chamada “imprensa menor”. Também a “imprensa séria” enche as suas páginas com escândalos de corrupção, derrapagens financeiras e desvios de fundos.

As notícias que refletem o pior da humanidade – muito mais até que as catástrofes da natureza – estão por todo o lado e “pintam” um futuro cinzento que nos aponta o caminho para o abismo. Esta visão preocupa os políticos, de tal forma que alguns surgem a terreiro responsabilizando os jornalistas pelo “estado de depressão” nacional. Todavia, aqueles que culpam o mensageiro pelo teor da mensagem são os mesmos que, quando lhes convém, adaptam o seu discurso à carga negativa que lhes garante um lugar no noticiário nacional.

Generalizando, podemos dizer que em Portugal faz-se muito bem a crónica do que está mal.

Cavaco Silva, no seu discurso nas cerimónias parlamentares do 38.º Aniversário do 25 de Abril, exortou os portugueses – e indiretamente os media – a serem arautos dos sucessos nacionais sob pena de desmobilizarem os cidadãos e de prejudicarem a expectativa dos agentes económicos. Para o Presidente é altura para falar e comentar boas notícias para ajudar a promover a imagem de Portugal no exterior.

A ideia de divulgar “boas notícias” não é nova. Já houve várias tentativas de criação de órgãos de comunicação social especializados neste tipo de informação e as revistas que ocasionalmente são publicadas por ministérios e autarquias, refletem esse mundo perfeito onde todas as fotos mostram pessoas felizes. Aliás, os governos são grandes produtores de “boas notícias”. Infelizmente, nem as notícias veiculadas pelos governos convencem, nem os medias especializados num mundo feliz tiveram grande sucesso.

Isso quer dizer que “as más notícias não vendem”?

Não necessariamente. Se relermos atentamente o discurso de Cavaco Silva descobriremos que os exemplos de sucesso nacional, apontados pelo Presidente, já foram noticiados no passado – até em grande medida pelo governo anterior – e se olharmos com atenção para os jornais de hoje encontraremos, certamente, notícias positivas ao lado das negativas. Ambas estão presentes, mas talvez se dê mais valor a umas do que a outras.

O jornalista é o polícia da sociedade. E, tal como numa operação stop para controlo de automobilistas a conduzir sob o efeito do álcool, o que se regista são as infrações. O que sai da normalidade. No caso dos condutores, espera-se que não conduzam alcoolizados. Portanto, se em 100 automobilistas controlados, para 98 o teste tenha um resultado negativo é aos dois restantes que se vai escrever o auto de notícia, com o valor da coima. Para o jornalismo a notícia também é assim. Tem um valor. É certo que também se podia escrever “a maioria dos automobilistas não bebe quando conduz”, mas não era a mesma coisa, pois não?

(Publicado em Setúbal na Rede 02/05/2012)