segunda-feira, junho 25, 2012

A fonte seca




As notícias chegam-nos a casa à velocidade da luz. Como leitores não damos por isso, mas a forma como se produzem e reproduzem também é em velocidade acelerada. O problema é quando elementos essenciais da notícia ficam pelo caminho.

Em França, o engenheiro de uma conhecida marca de café conta a um jornalista que as cápsulas de alumínio que embalam o produto contaminam a bebida, tornando-a num veneno mortal. Perante tão extraordinária noticia, talvez se esperasse que o jornalista fosse a correr redigir aquele que seria um dos casos do ano. Porém, ele correu para a farmácia, comprou diversos boiões de recolha de amostras, encheu-os de café e água da torneira e enviou tudo para um laboratório. Verificou-se que a “notícia” era falsa.

Em Portugal, um jornalista ao “navegar” pela Internet descobre que faleceu uma conhecida personalidade televisiva que há algum tempo estava afastada dos ecrãs. Rapidamente reescreve a notícia e coloca-a online, no site do jornal onde trabalha. Infelizmente a notícia original tinha três anos. Uma leitura apressada, e a falta de conhecimento, terão levado o jornalista a pensar que era atual.

Ainda em Portugal, um jornal relata nas suas páginas uma ação policial para desalojar um grupo de pessoas que tinham ocupado uma escola. Acontece que a ação policial só aconteceria horas depois de o jornal estar à venda nas ruas. O autor da notícia alega ter sido induzido em erro por outra notícia publicada no site de um canal de televisão.

Ao recorrer a um caso ocorrido em França, em que o jornalista tomou a opção correta, e aos dois casos ocorridos em Portugal, onde se escolheu o caminho errado, não quero dizer que os franceses são melhores do que os portugueses. Já se verificaram casos semelhantes em diversos países, e alguns até mais graves, com notícias deliberadamente inventadas, como a “condenação” de Amanda Knox, minuciosamente descrita pelo repórter do Daily Mail.

Uso estes três exemplos porque posso documentá-los. O caso francês, foi relatado por Colette Roos, no jornal Rue89, e os dois exemplos portugueses aconteceram, há pouco tempo, com o Expresso online e com o Diário de Notícias. 

A diferença entre um caso e os outros está na investigação.

Perante um facto, o jornalista deve conferir a informação, validar a fonte. O jornalista não tem de saber de tudo, mas quando escrever só pode relatar o que viu ou o que alguém lhe contou.

O jornalista do Expresso poderia não saber que Vasco Granja tinha morrido há três anos, mas tinha obrigação de fazer uma pesquisa sobre a sua vida, encontrando naturalmente a data da sua morte. Também o jornalista do Diário de Notícias, ao constatar que outro órgão de informação estava a noticiar a ação policial para desalojar os ocupantes da escola da Fontinha, deveria contactar as autoridades policiais e os ocupantes da escola antes de redigir a sua notícia. Um e outro deveriam ter acrescentado a sua parte de valor à notícia.

Não pretendo fazer juízos pela forma como atuaram estes jornalistas, julgo que todos agiram de boa-fé. Pretendo apenas sublinhar que os fundamentos do jornalismo assentam na verificação dos factos e na indicação das fontes. Se o jornalista não “esteve lá”, não pode reportar, tem de citar quem “viu”. Simultaneamente tem de cruzar essa informação com outras testemunhas para ter a certeza que o acontecimento foi entendido do mesmo modo por todos, ou assinalar diferentes perceções. Alguns casos são simples e resolvem-se com alguns telefonemas, outros são mais complicados. Claro que todos são trabalho, mas essa é a função de jornalista.

Infelizmente, algum “desleixo” tem atingido as redações. A facilidade com que se reescreve ou copia notícias de outros, partindo do pressuposto que os outros fizeram o trabalho de validação, tem crescido ao ritmo da Internet. E, o mais extraordinário é que são muito poucos os que se indignam com esta situação, procurando justificar esta atitude, quer porque os jornalistas estão atarefados em múltiplas funções (edição papel e online, edição vídeo, funções administrativas; etc.), quer porque cada vez são maiores as pressões para atingir objetivos (redações mais pequenas e mais notícias para produzir), ou pelo desânimo resultante da situação laboral (baixos salários, precariedade, ameaça de desemprego). Porém, nada disto serve de desculpa quando o jornalista deixa de cumprir os seus deveres deontológicos.

Os casos aqui relatados não são únicos. Um olhar atento dá para perceber como se propagam aos media - a uma velocidade quase viral - rumores que surgem nas redes sociais. As televisões recorrem ao Youtube como fonte de imagens para noticiar factos curiosos sem ter em conta se essas imagens são verdadeiras ou se não serão meras fantasias de humoristas televisivos. Mas, mais grave é o que se passa no online, onde os múltiplos sites se copiam, reproduzindo os mesmos erros e tornando “verdadeira” uma mentira “mil vezes repetida”.

Verificar a notícia e citar as fontes deve voltar a ser a regra de ouro para todos os jornalistas.

Publicado em Setúbal na Rede a 25-06-2012