terça-feira, dezembro 11, 2012

Os jornalistas são testemunhas ou actores?


Os media, e particularmente os jornalistas, são muitas vezes apontados como testemunhas dos acontecimentos e não actores da notícia. Essa é a atitude que muitas vezes é recomendada ao jornalista estagiários: alguém que testemunha e relata os acontecimentos, mas que na verdade não faz parte deles.

Dois acontecimentos recentes chamaram-me a atenção para este facto. Por um lado a foto publicada na primeira página do New York Post onde se vê um homem momentos antes de ser trucidado pelo metropolitano de Nova Iorque. Por outro, o caso da enfermeira Jacintha Saldanha vítima de uma "brincadeira" de uma estação de rádio australiana.

No caso da foto publicada no jornal vemos um homem caído no fosso do metropolitano, tentando saltar para a plataforma e vimos o terror espelhado nos olhos do maquinista do comboio, impossibilitado de travar a tempo. Mas pela foto percebemos também que o fotógrafo está suficientemente perto para o salvar. Não o fez, fotografou.

Mais tarde, Umar Abbasi defendeu-se dizendo que, devido à sua constituição física não teria forças para tirar o homem do fosso. Preferiu usar o flash para alertar o maquinista que algo de anormal se estava a passar. A foto, no entanto, tem o enquadramento perfeito, para ser casual.

Admitindo que o fotógrafo fez tudo o que estava ao seu alcance para salvar o homem, quando viu que isso era impossível, limitou-se a testemunhar o acontecimento numa foto impressionante. O fotógrafo estava lá, mas era como se lá não estivesse. Quer dizer, era como se estivesse uma câmara de vídeo-vigilância  fria e desumana a assistir ao desenrolar do destino.

Por outro lado, o caso da enfermeira não envolve directamente jornalistas, mas utiliza um estratagema que é caro a alguns profissionais da informação: a simulação de um determinado papel e a utilização dissimulada de meios para recolher som e imagem. Dois animadores de uma estação de rádio australiana telefonam para o hospital King Edward VII e, fazendo-se passar pela rainha Isabel e príncipe Carlos, procuram saber pormenores sobre a gravidez de Kate Middleton. A conversa é emitida em directo na estação australiana e mais tarde reproduzida em todo o mundo.

Neste caso já não são testemunhas mas actores que produzem uma encenação para facilitar a obtenção de informação que depois é recolhida e divulgada sem o conhecimento e consentimento do seu autor. O facto de serem animadores e não jornalistas é irrelevante, até porque as pessoas entrevistadas não conseguem fazer essa diferenciação, tinha o suporte de um órgão de comunicação social e, como já referi, utilizou um estratagema que é empregue por muitos jornalistas como fonte de notícia. A consequência da encenação é trágica, a enfermeira aparece morta, aparentemente por suicídio.

Dois casos que são também dois exemplos da falta de ética no jornalismo. Infelizmente um e outro são mais comuns do que se pensa. Mas não se tenha ilusões, o jornalista é sempre actor  mesmo por omissão. Mesmo quando prefere "uma boa história" a dar a mão para salvar o outro. Mesmo quando produz uma mentira para arranjar "uma boa história".

Nos dois casos a "boa história" cresceu e envolveu os próprios jornalistas. Tornaram-se actores de notícias que já não dominam, porque ao testemunharem, passaram a fazer parte da história que contam.

Mais do que "estar lá no momento certo", o jornalista tem de ter consciência que "faz parte da história" e tudo o que ele fizer ou deixar de fazer, tudo o que omitir ou exagerar não se apaga no momento em que fecha os olhos para se ir deitar.



Publicado em Setúbal na Rede em 11/12/2012