sábado, abril 07, 2012

O 13º mês não existe!



Os ingleses pagam à semana e claro, administrativamente é uma seca! Mas ...

Diz-se que há sempre uma razão para as coisas! Ora bem, cá está um exemplo aritmético simples que não exige altos conhecimentos de Matemática mas talvez necessite de conhecimentos médios de desmontagem de retórica enganosa. Que é esta que constrói mitos paternalistas e abençoados que a malta mais pobre, estupidamente atenta e obrigada, come sem pensar!

O 13º mês é uma das mais escandalosas de todas as mentiras do sistema capitalista, e é justamente aquela que os trabalhadores mais acreditam.

Eis aqui uma modesta demonstração aritmética de como foi fácil enganar os trabalhadores.

Suponhamos que você ganha € 700,00 por mês. Multiplicando-se esse salário por 12 meses, você recebe um total de € 8.400,00 por um ano de doze meses.

€ 700*12 = € 8.400,00

Em Dezembro, o generoso patrão cristão manda então pagar-lhe o conhecido 13º mês. 
€ 8.400,00 + 13º mês = € 9.100,00

€ 8.400,00 (Salário anual) + € 700,00 (13º mês) = € 9.100 (Salário anual mais o 13º mês)

O trabalhador vai para casa todo feliz com o patrão.

Agora veja bem o que acontece quando o trabalhador se predispõe a fazer umas simples contas que aprendeu no 1º Ciclo:

Se o trabalhador recebe € 700,00 mês e o mês tem quatro semanas, significa que ganha por semana € 175,00.

€ 700,00 (Salário mensal) / 4 (semanas do mês) = € 175,00 (Salário semanal)


O ano tem 52 semanas. Se multiplicarmos € 175,00 (Salário semanal) por 52 (número de semanas anuais) o resultado será € 9.100,00.

€ 175,00 (Salário semanal) * 52 (número de semanas anuais) = € 9.100.00 
O resultado acima é o mesmo valor do Salário anual mais o 13º mês

Surpresa, surpresa ? Onde está portanto o 13º Mês?

A explicação é simples, embora os nossos conhecidos líderes nunca se tenham dado conta desse facto simples.

A resposta é que o patrão lhe rouba uma parte do salário durante todo o ano, pela simples razão de que há meses com 30 dias, outros com 31 e também meses com quatro ou cinco semanas (ainda assim, apesar de cinco semanas o patrão só paga quatro semanas) o salário é o mesmo tenha o mês 30 ou 31 dias, quatro ou cinco semanas.

No final do ano o generoso patrão presenteia o trabalhador com um 13º mês, cujo dinheiro saiu do próprio bolso do trabalhador.

Daí que, como palavra final para os trabalhadores inteligentes. Não existe nenhum 13º mês. O patrão apenas devolve o que sorrateiramente lhe surripiou do salário anual.

*Conclusão: Os Trabalhadores recebem o que já trabalharam e não um adicional.*

sexta-feira, abril 06, 2012

De onde vêm as noticias?


Aqueles que têm uma visão romântica do jornalismo acreditam que as notícias se encontram como objetos perdidos na areia da praia. Basta esgravatar para descobrir algo, por vezes com valor. Ou talvez imaginem o repórter - como um espião - ouvindo a conversa na mesa de café ao lado e tomando notas num guardanapo de papel. Outros, mais empenhados nas teorias da conspiração, estão convencidos que em qualquer serviço público há um “Garganta Funda” que se encontra com os jornalistas, às escondidas, numa garagem de centro comercial.

Todavia, como explica o sociólogo britânico Phillip Elliott, o jornalismo é mais parecido com a agricultura, sedentário, do que com a caça, ativo e errante. Na metáfora de Elliott, o jornalista “semeia”, e cuida regularmente das suas fontes, mas - tal como na agricultura - não tem colheita garantida. Por seu turno, a pressão dentro dos órgãos de comunicação social para atingir objetivos quer em número de notícias, páginas ou minutos de emissão, leva o jornalista a concentrar-se nas “culturas mais produtivas”. A rotina acaba por deixar o jornalista preso às fontes mais acessíveis e proveitosas: geralmente os gabinetes de comunicação e as entidades que têm uma estratégia orientada para os media.

Simultaneamente, o jornalista quer ser o primeiro “a dar” aquilo que considera importante. Isso é-lhe exigido nas reuniões de planeamento dos seus órgãos de comunicação. Uma eventual falha de uma notícia, referida noutros media, pode significar desleixo ou falta de valor profissional. Esse medo de ser ultrapassado pelos outros, leva o jornalista a ler e a comparar o seu trabalho com o de outros jornalistas e a procurar contactar as mesmas fontes. Na prática, acabam todos a escrever as mesmas notícias, partindo das mesmas fontes.

Comparem-se as capas dos jornais com os noticiários nas rádios e televisões. As notícias e as fontes são as mesmas (e muitas vezes, as perguntas e respostas não acrescentam nada àquilo que já vinha escrito no papel). Mas também o que é próprio da rádio ou da televisão, como o comentário, um direto ou uma entrevista é depois repetido no papel, para no dia seguinte ser novamente tratado num percurso circular da informação em que um pequeno grupo de protagonistas tem lugar cativo na produção das notícias do dia-a-dia.

Os profissionais da comunicação sabem desta fragilidade dos jornalistas e para tirar proveito disso só têm de se transformar numa fonte “acessível e produtiva”, como os sindicatos, movimentos ambientalistas, alguns políticos e ONG’s. Ou enquanto facilitadores de algo verdadeiramente extraordinário.

Um bom exemplo de algo extraordinário foram as entrevistas aos quatro principais banqueiros portugueses, promovidas pela TVI. Geralmente arredados do foco da comunicação social generalista, os banqueiros concordaram em conceder entrevistas emitidas diariamente num um canal de televisão. Como reconheceu Judite Sousa, em declarações ao jornal Público (04/02/2012) “só mais tarde” percebeu que os banqueiros pretendiam pressionar José Sócrates a negociar o pacote de financiamento externo.“Acabei por […] fazer parte de uma narrativa que foi meticulosamente preparada pelos banqueiros” disse Judite de Sousa.

Como escreve Nelson Traquina: “o acontecimento cria a notícia, a notícia cria o acontecimento”.

Publicado em Setúbal na Rede em 05-03-2012 

segunda-feira, abril 02, 2012

O Pau e a Cenoura


O anúncio foi discreto. No final de uma reunião entre o ministro Miguel Macedo e os diretores de Informação dos órgãos de comunicação social foi anunciado que “o Ministério da Administração Interna (MAI) vai promover encontros com os media para preparar a cobertura de manifestações e outros movimentos de contestação” como a última greve geral.

As notícias que referem o anúncio do ministro não dão conta de qualquer indignação dos diretores dos órgãos de comunicação social presentes. Confesso que não estive na reunião e, admito que algo me tenha escapado, por não ter sido referido nas notícias que fizeram o relato deste encontro. Não tenho os diretores dos media portugueses por ingénuos mas reconheço que vivermos tempos em que já nada nos surpreende.  
  
De uma maneira geral - e interpretando a notícia veiculada pelos media - o governo pretende que, para evitar que se repitam incidentes como aqueles que envolveram jornalistas e policia durante a ultima greve geral, os media e os comandos policiais se reúnam previamente, para prepararem uma ação coordenada, à semelhança que se faz com a visita de chefes de estado estrangeiros, alguns eventos desportivos, ou cimeiras como a da Nato. 
  
Diga-se, em abono da verdade que, do ponto de vista jornalístico é sempre interessante saber o que as autoridades pensam sobre a realização de determinado evento. Mas, geralmente o que acontece nesses “breefings” preparatório de eventos com “máxima segurança” é a delimitação do espaço de atuação do jornalista, que fica confinado a determinadas “janelas” para os fotógrafos, para as TV’s, ou para as conferências de imprensa. Por outras palavras: retirar os jornalistas da frente e limitá-los a “espaços seguros”.
  
A ideia de Miguel Macedo não é nova, ela foi “estreada” durante a primeira guerra do Golfo, com os jornalistas - como Artur Albarran - trajados com o camuflado militar e que utilizavam veículos e instalações militares. Trata-se do “jornalismo embedded”, o jornalismo que se junta às tropas, que veste a farda e tem treino militar. O jornalista que, em troca de proteção e segurança, tem de aceitar a hierarquia militar e não pode revelar tudo o que sabe e vê, para não pôr em causa a missão. Talvez por isso Artur Albarran terminava sempre as suas peças com o célebre “algures na Arábia Saudita”.
  
Mas o “jornalismo embedded” tem riscos. Ele dá aos comandos militares o poder de escolher quem vai a um determinado ponto da linha de combate. No fundo, quem tem acesso a determinada informação. Privilegia-se os meios mais importantes e castiga-se os jornalistas mais “desobedientes”. Talvez por isso Artur Albarran não tenha saído da Arábia Saudita quando a guerra era no Koweit e Iraque.  

Ao escolher o que os jornalistas vêem, apenas se deixa ver um lado, que é precisamente o lado que se quer que seja visto.

Miguel Macedo sabe isso. Com a sua proposta de breefings o ministro quer colocar os jornalistas “do seu lado”, pondo-os onde os possa ver e controlar. Em troca, garante-lhes proteção. Por isso propõe coletes e braçadeiras para que as forças policiais possam distinguir os jornalistas dos manifestantes. É que, embora uns e outros possam apanhar com o cassetete, nos jornalistas a pancada do cassetete faz mais barulho e isso é uma maçada para o ministro.

Um dos princípios do Estado é o monopólio do uso da força. Só os estados podem exercer a violência e só algumas forças do estado a podem utilizar. Isso é inegável. E aceite. O que não se pode aceitar é que essas forças não sejam capazes de distinguir entre um manifestante e um jornalista. Ou mais grave ainda: não consiga ver diferenças entre um manifestante ordeiro e outro desordeiro.  

O Ministério da Administração Interna não pode transformar as manifestações num “jogo do mata” onde só se safa quem estiver no “piolho”. O problema não é se os jornalistas devem ficar protegidos da carga policial. É muito mais grave: Se as forças policiais não são capazes de distinguir entre um cidadão honesto e um desordeiro, então é porque não são muito diferentes das forças policiais das ditaduras.

Publicado no Setúbal na Rede em  02-04-2012 14:13