segunda-feira, julho 23, 2012

Uma questão de princípio




Os meios académicos têm-se agitado, nos últimos meses, na discussão de uma “carta de princípios, para o jornalismo português da segunda década do seculo XXI”. Vou omitir o detalhe da “segunda década” e vou centrar-me no essencial: a “carta de princípios para o jornalismo português”.

A ideia de refletir sobre o jornalismo em Portugal é meritória e o espaço académico é o local adequado para essa reflexão. Tenho dúvidas, no entanto, da necessidade de elaborar um documento de raiz quando existem, em Portugal, diversos códigos que balizam a conduta dos jornalistas. Em primeiro lugar, o Estatuto do Jornalista – a lei 1/99 de 13 de Janeiro – que define os direitos e deveres da profissão; o Código Deontológico aprovado em Maio de 1993, em assembleia do sindicato dos jornalistas; E finalmente os códigos de conduta de órgão de comunicação social, como o Código de Conduta do Expresso, por exemplo.

Leis e normas não faltam. Uma característica muito europeia, onde tudo tem de ser detalhadamente regulamentado. No entanto, vale a pena perguntar se faz falta mais um conjunto de orientações para regular a atividade do jornalista. E, para vos poupar a maçada, digo-vos já que não.

A iniciativa de criar uma Carta de Princípios para o jornalismo partiu de vários docentes e investigadores de diversas instituições académicas que se inspiraram no Project For Excelence in Journalism desenvolvido em 1997, nos Estados Unidos da América. Desse projeto resultou um compromisso entre os jornalistas norte-americanos e o público dos Estados Unidos que acabaria por dar origem ao livro The Elements of Journalism (Bill Kovach & Tom Rosenstiel) com os dez princípios do jornalismo e do seu papel na sociedade.
Em, síntese, os 10 pontos a que os investigadores norte-americanos chegaram são o compromisso com a verdade; lealdade aos leitores; comprovação dos fatos; independência; contra-poder; abertura à crítica; noticiar o importante; rigor e isenção; respeito pela própria consciência e acolhimento dos contributos dos cidadãos. Não quero desiludir-vos, mas a leitura do Código Deontológico do Jornalista é mais rica e resume-se também a dez pontos.

Parece-me que em vez de copiar modelos produzidos em realidades diversas daquela que temos em Portugal, será mais útil refletir a partir daquilo que temos: O código deontológico precisa de ser alterado? Precisa de ser adaptado a uma nova realidade? A legislação para os media e para os jornalistas precisa de ser revista? A inovação tecnológica introduziu mudanças substanciais na atividade jornalística? Até que ponto essas alterações mudaram os princípios e a ética com que se faz jornalismo em Portugal?

Apesar da sua origem sindical, o Código Deontológico é consensual entre os jornalistas. Infelizmente nem sempre é cumprido e essa também poderá ser uma reflexão para os investigadores. Entendo que seria mais profícuo aproveitar os fóruns para uma discussão sobre o jornalismo e os media em Portugal, apontando correções à rota, do que inventar um novo rumo. Sobretudo quando o caminho proposto não acrescenta nada de novo àquele que seguimos.

Publicado em Setúbal na Rede a 23-07-2012