segunda-feira, setembro 17, 2012

Direitos e Deveres



A comunicação social é conhecida como "o quarto poder", em contraponto aos três poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judicial. Aos media estaria reservada a função fiscalizadora destes três poderes constituindo-se assim no fiel de uma balança onde a decisão final estaria nas mãos do cidadão eleitor. Claro que esta é a definição neutra do papel da comunicação social e, a avaliar pelo tempo verbal que utilizei na construção da frase, depreende-se que essa não é a minha visão da realidade.

Com efeito, o poder dos media vai muito além desse papel fiscalizador. É também um produtor da realidade ao definir o que interessa e o que não merece ser noticiado. É um poder que tem capacidade de influenciar a opinião pública, ditando as regras e os valores que vão influenciar os comportamentos dos indivíduos e da própria sociedade. Não é a única fonte de influência – a escola e a igreja, além de outras instituições sociais também têm essa capacidade de influenciar – mas é seguramente a mais rápida e eficaz.

Neste jogo de influências geralmente aponta-se o dedo aos grupos económicos que usam os órgãos de comunicação de que são proprietários para atingir determinados fins. Ou então aos jornalistas pela promiscuidade com que se envolvem "no quarto do poder" – qualquer que seja esse poder. Se no primeiro caso a suspeita é examinada detalhadamente pelos outros órgãos de comunicação social concorrentes, ou até mesmo por comissões de inquérito parlamentar, já no caso da promiscuidade dos jornalistas ela é discutida, à boca pequena, nos meios profissionais e raramente atinge a esfera pública. Todavia, tão grave é uma como outra e, infelizmente, a segunda é mais comum do que a primeira.

A independência dos jornalistas face ao poder político e poder económico está garantida pela constituição e, se o estado se obriga a garantir esse direito, os jornalistas em nada estão obrigados a acautelar essa independência podendo, se assim o desejarem, guarda-la na gaveta.

O Estatuto dos Jornalistas (lei 1/99 de 13 de janeiro) alinhava nove deveres dos jornalistas que, de certo modo, também constam do código deontológico. Porém nenhuma sanção está prevista para o seu incumprimento. O rigor e isenção; a presunção de inocência; o respeito pela privacidade; não recolher depoimentos que ponham em causa a dignidade das pessoas, nem recorrer a meios não autorizados para a recolha de sons e imagens, podem assim ser esquecidos em nome do interesse público.

É certo que a relevância de algumas destas violações podem ser enquadradas noutros códigos jurídicos e dar origem a sentenças que acabam por constituir jurisprudência assim como deliberações da entidade reguladora poderão estabelecer algumas sanções nesta matéria. Mas, em casos "menores" em que o jornalista, isolado ou concertado com outros elementos da sua redação, seleciona a informação com o objetivo de favorecer uma determinada opinião, corrente política, objetivo económico ou litigante num processo judicial, obtendo um benefício pessoal ou simplesmente porque é isso em que acredita, acabam por ficar sem castigo. Talvez valesse a pena refletir sobre esta matéria numa eventual revisão do estatuto do jornalista. Até porque, quando o jornalista se envolve com o poder, geralmente acaba por ganhar com isso. Quem perde são os seus leitores.

Publicado em Setúbal na Rede a 17-09-2012