segunda-feira, novembro 12, 2012

Trabalhar para aquecer


A agência Lusa anunciou que está disponível para substituir a RTP em locais em que esta desinvista. Esta disponibilidade foi manifestada pela administração da agência, junto do ministro da tutela, e agora anunciada aos deputados da comissão parlamentar responsável pelo acompanhamento dos órgãos de comunicação social do estado.

Esta disponibilidade súbita para sinergias surge na altura em que a Lusa, tal como a RTP, está confrontada com um plano de cortes orçamentais. Também a Lusa é obrigada a desinvestir e, vendo as coisas pelo mesmo prisma, a RTP poderia igualmente substitui-la onde a agência de notícias viesse a desinvestir.

A atitude da administração da Lusa resulta assim patética e, tal como na passagem bíblica, aponta o cisco no olho alheio, esquecendo a trave no seu. É costume dizer-se que é nos momentos difíceis que se vê o carácter de cada um. Quanto ao carácter da administração da Lusa estamos conversados. A atitude da administração da Lusa só demonstra o total desconhecimento do que é o serviço de rádio e televisão. Por isso não deixa de ser significativo o "lamento" de Afonso Camões, o administrador da agência, de que produtos não lhe faltam, o que faltam são clientes.

"Temos produtos novos todos os anos. Mas o mercado não quer ou não tem capacidade para investir neles" seria argumento, mais que suficiente, para despedir o administrador e todos os responsáveis pelo planeamento em qualquer fábrica de sapatos. Produzir o que o mercado não quer, ou não pode comprar, só lembraria aos estrategas das economias planificadas das velhas repúblicas soviéticas. Para o administrador da Lusa devemos calçar os "sapatos" que produz, ainda que eles não nos sirvam nos pés.

Assim, a Lusa apresenta-se como "um grande produtor de conteúdos na área do audiovisual e áudio" que até "poderia fazer a televisão corporativa da TAP, do Metro, das Câmaras". Só que não faz, porque o mercado audiovisual tem mais concorrentes. Há televisões privadas e produtoras de vídeo que estão a competir no mesmo serviço. Ao mesmo tempo, a Lusa afasta-se do seu "core" – o serviço de agência – desbaratando o prestígio acumulado. "Só 13 câmaras [municipais] querem ser nossos clientes" disse Afonso Camões aos deputados, sem se interrogar porque é que o seu serviço é tão pouco aliciante para as autarquias.

A agência Lusa tem de se focar na sua razão de existir. É uma agência de notícias e os seus clientes são os outros órgãos de comunicação social. É para eles que deve trabalhar, e não ocupar o lugar deles. Deve procurar nichos de mercado a nível internacional, quer apostando na lusofonia ou em África. Aí sim, faz sentido apostar em sinergias, não para se substituir aos seus clientes nacionais mas para, com eles, ganhar impulso para conseguir clientes internacionais.

Em vez de se pôr em "bicos de pé", a agência deve ter a humildade de reconhecer onde falha e porque falha. A Lusa tem bons profissionais, mas o jornalismo tem especificidades. Um bom jornalista de imprensa, não é necessariamente bom na rádio ou TV. A polivalência multi-plataforma é uma qualidade rara. Esquecer isso é trabalhar para aquecer.




Publicado em Setúbal na Rede em 12-11-2012