terça-feira, março 05, 2013

Do fim da rua ao fim do mundo


Os 25 anos da TSF são também os 25 anos das rádios locais. Se a efeméride não foi assinalada é porque estas, ao contrário daquela, não têm muito para festejar.

"A TSF mudou o modo de fazer informação em Portugal" disse Paulo Baldaia, o diretor da única rádio de notícias portuguesa, a propósito das comemorações da rádio que dirige. Tem razão. É certo que não o fez sozinha, também o Independente, a SIC e, em certa medida, a TVI mudaram alguns paradigmas informativos. Mas a TSF trouxe uma lufada de "ar fresco" na linguagem radiofónica, até então dominada pelas rádios públicas e da igreja. O incêndio do Chiado – que fará 25 anos em 25 de Agosto – foi uma das "provas de fogo" por que passou a estação. Seis meses depois da legalização, com uma equipa de bons profissionais e altamente motivada, a TSF conseguiu dar resposta a um acontecimento que, apesar da sua importância nacional, ocorria dentro da sua área de cobertura local.

O momento e a localização do primeiro acontecimento marcante ligaram indelevelmente a TSF à rádio em direto, onde a notícias não esperam pelo sinal horário. Claro que as rádios nacionais também tinham bons profissionais e, nesse dia, também fizeram diretos do Chiado, mas o momento era outro para as rádios nacionais: Nessa altura vivia-se a "revolta da rádio".

Desde meados da década de 80 que as "rádios piratas" faziam sucesso por todo o país. De norte a sul, toda a gente queria ouvir as notícias "da terra", que as rádios nacionais ignoravam. Nas locais ouviam-se vozes conhecidas, falando de assuntos que eram próximos ao ouvinte, e passava música que não se ouvia nas rádios nacionais. Isso fazia toda a diferença.

Pressionado, o governo teve de legislar a criação das rádios locais. Mas, talvez porque fosse o resultado de uma "revolta popular", o poder politico desde logo coartou as rádios locais, impedindo a organização em redes regionais, proibido a partilha de informação em "rede nacional de rádios" e limitando as rádios locais a uma dimensão paroquial.

Simultaneamente, os políticos – e a autoridade reguladora – fecharam os olhos à aquisição de emissoras locais por grandes grupos nacionais e acabaram por permitir a criação de redes temáticas centralizadas em Lisboa, transformando as rádios locais em meros repetidores da emissão da capital.

Com o argumento de que "é preciso garantir a viabilidade do setor" o poder político condenou à falência e ao desemprego empresas e trabalhadores de muitas rádios locais. Em contrapartida permitiu que antenas, que antes emitiam programação local, hoje sejam simples canais de música, incapazes de dar resposta num outro "incendio do Chiado". Resta a TSF e pouco mais.

É verdade que "a morte da rádio" já foi muitas vezes anunciada, e nunca confirmada. Apesar de atualmente a rádio estar confinada ao automóvel, sendo cada vez menos os ouvintes que ligam o sintonizador em casa ou no trabalho, a Internet abre novas perspectivas para a rádio.

Enquanto escrevo estas linhas, estou a ouvir uma rádio cujos estúdios estão a dois mil quilómetros do local em que me encontro. No carro, além das emissoras tradicionais já posso ouvir o podcast do meu programa favorito. Quando a Internet chegar ao autorrádio, a concorrência para as rádios musicais aumentará, mas paradoxalmente, abre-se uma nova oportunidade para as rádios de proximidade e para os programas de autor.

Se a música está desde sempre ligada à rádio, também é verdade que a palavra tem na rádio o seu meio de excelência. A concorrência da televisão é forte, mas esta também sofre a concorrência da Internet. Não é por acaso que o Facebook e o Google vão investir no áudio. As pessoas vão querer sempre ouvir quem lhes "conte histórias", quem fale dos temas que as preocupa. A música está em todo o lado, mas são cada vez menos as rádios que nos levam "ao fim da rua e ao fim do mundo".




Publicado em Setúbal na Rede - 05-03-2013