quarta-feira, junho 26, 2013

Jornalismo de Repetição

O medo de serem ultrapassados pela concorrência leva muitos “lobos“ do jornalismo de investigação a comportarem-se como “carneiros“ quando os eventos são públicos. Os políticos sabem disso, e os jornalistas só raras vezes se revoltam.

Esta semana ficámos finalmente a conhecer a posição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre as restrições aos jornalistas na conferência “2013 Pensar o Futuro – Um Estado para a Sociedade”. Na deliberação, a ERC considera que “a partir do momento em que se convida jornalistas para, nesta qualidade, assistirem um determinado evento com interesse público, não se lhes pode determinar limitações injustificáveis ao exercício da sua atividade”.

Com efeito, na conferência sobre a reforma do Estado - organizada em janeiro - os jornalistas foram convidados a assistir, mas impedidos de recolher depoimentos durante a sessão, ou de os utilizar para redação de notícias sem o expresso consentimento dos oradores.

É certo que a organização disponibilizava um espaço onde os jornalistas poderiam entrevistar os participantes na conferência, permitindo assim que cada órgão de comunicação social escolhesse o seu ângulo sobre o tema, libertando-se do guião imposto pelo desenrolar da conferência. Mas isso acontece na maioria dos grandes eventos, como por exemplo nos congressos, que são públicos, ou nas reuniões das direções partidárias, que são reuniões privadas.

Impedir os jornalistas de recolher as declarações proferidas durante um evento público, alegando que os jornalistas poderiam depois falar com os oradores no final dos trabalhos é, no mínimo, um disparate monumental.

Recolher depoimentos não significa perturbar os trabalhos de uma conferência, significa apenas gravar – em imagens, em áudio, ou ambos – os discursos que os oradores forem proferindo no decorrer dos trabalhos, mas significa também que os jornalistas podem escrever o que foi dito durante a conferência sem necessitar de solicitar autorizações. E, se isso nos parece natural na cobertura de uma sessão pública, é no mínimo estranho que a ERC tenha levado cerca de quatro meses a chegar a essa conclusão.

Mais surpreendente foi a decisão de dois dos cinco representantes da ERC que votaram contra esta deliberação. Não só porque os dois foram jornalistas (Carlos Magno, presidente da ERC e Raquel Alexandra, vogal), mas sobretudo porque Raquel Alexandra justifica o voto contra, uma vez que “o direito constitucional à informação não foi posto em causa” porque os jornalistas puderam gravar as intervenções dos membros do Governo, “sem qualquer limitação às transmissões diretas”. Se o direito à informação se resume ao acesso à versão oficial, estamos conversados.

Mas se os jornalistas, através do Sindicato dos Jornalistas, fizeram bem em conseguir da ERC uma deliberação sobre as “restrições à atividade jornalística“, talvez valesse a pena preocuparem-se também pela subserviência dos jornalistas em certos diretos televisivos de declarações sem direito a perguntas, ou – pior – quando se transforma uma conferência de imprensa em comício, com militantes e jornalistas como aconteceu na semana passada, durante a apresentação da moção de Paulo Portas ao congresso do CDS.

Afinal, se a maioria dos jornalistas são capazes de lidar com eventos que se realizam à porta fechada, são muito poucos os que conseguem resistir à manipulação, quando os eventos decorrem de portas abertas.




Publicado em Setúbal na Rede 25/06/2013