segunda-feira, setembro 16, 2013

O mal e a caramunha


Depois de terem destruído a rádio e imprensa local, os políticos agora lamuriam-se da falta de cobertura jornalística nas eleições autárquicas.

Os diretores dos três canais de televisão com cobertura nacional anunciaram, na passada terça-feira, que os seus jornalistas não vão cobrir a campanha para as eleições autárquicas em virtude de uma interpretação restritiva da lei eleitoral, pela Comissão Nacional de Eleições (CNE).

A lei exige que todos os candidatos tenham igual cobertura eleitoral, o que significaria ter repórteres a acompanhar todas as candidaturas, ou – e essa é que é a verdadeira razão – realizar numerosos debates na televisão.

A questão não é nova. Ela tem-se colocado em todas as campanhas, desde que surgiram os canais de televisão privados. Nós sabemos que o "tempo é precioso", sobretudo na televisão, e as audiências sustentam-se num "Benfica-Porto" e não num "Arrentela-Sacavenense" ainda que estes joguem melhor que os primeiros.

A lei já existe desde 2001, e apesar dos protestos, sempre houve debates e cobertura eleitoral. É verdade que também houve queixas, mas nunca se considerou que alguma candidatura tivesse sido deliberadamente prejudicada pela comunicação social.

É certo que esta pressão das televisões nacionais não é inocente. O "circo" televisivo vive do espetáculo; mas a informação orienta-se por critérios de relevância, impor uma alteração as estes critérios é uma violação da liberdade de imprensa.

Todos temos consciência que não é possível assegurar a cobertura integral da campanha nos 308 municípios. Mas também é por isso que a lei (e a CNE) diferencia os órgãos de comunicação locais, dos nacionais. Nas campanhas autárquicas não há Tempos de Antena nas rádios e televisões nacionais, em contrapartida esse espaço é reservado nos órgãos de comunicação local.

Não faz sentido exigir que uma televisão nacional faça cobertura de uma campanha autárquica (e se fosse exigido, quais seriam as escolhidas?), mas faz todo o sentido esperar que uma televisão nacional não ignore as eleições autárquicas.

A interpretação que a CNE agora faz da lei eleitoral é diferente da que a mesma CNE fez em eleições anteriores. Não se pode confundir órgãos de comunicação nacional com comunicação social local. Mas, ao contrário das eleições de 2001, 2005 ou 2009, hoje há muito menos jornais e rádios locais e é muito maior a influência da televisão na informação. Ou seja, hoje é mais provável que algumas candidaturas possam ser discriminadas em relação a outras. Mas a culpa não é das televisões nacionais.

Em vez de se queixarem de 'black out' ou boicote dos jornalistas; em vez de se predisporem já a alterar a lei para "encaixar" na televisão os seus "quinze minutos de fama", os políticos deveria perceber que foram eles os responsáveis pelo fim da cobertura jornalística dos debates regionais e locais.

Foram o PS e o PSD que aprovaram a Lei da Rádio que fez com que hoje não exista uma única rádio generalista no concelho de Lisboa e que a maioria das rádios do distrito de Setúbal sejam meros canais de música, ou repetidores de outras rádios musicais. Foi com base nesta lei que as licenças foram renovadas por 15 anos, apesar de terem sido atribuídas, por concurso público, aos candidatos que se comprometiam a desenvolver projetos próximos da população local.

Ao contrário do que a polémica decisão dos diretores das televisões nos podem levar a crer, o verdadeiro problema não são os debates – até porque as televisões podem cobrir o que quiserem desde que não sejam elas a organizá-los – o verdadeiro problema é que, hoje, praticamente já não existe imprensa ou rádio local. Os jornais faliram por falta de apoio dos governos; as rádios transformaram-se em "temáticas musicais" e despediram jornalistas e locutores, substituindo-os por computadores que debitam musica. Cada vez são menos os resistentes que, com dificuldade, vão sobrevivendo – como o Setúbal na Rede.

Em vez de lutarem pela defesa da informação local, os políticos preferem a choraminga e a lamúria, para depois irem a correr alterar a lei e garantirem um lugar no "circo".

"The show must go on".


(Publicado em Setúbal na Rede a 16-09-2013)