terça-feira, agosto 20, 2013

A política do medo


O que diferencia as ditaduras das democracias é a transparência como atuam.

Não nos surpreende – embora nos revolte – que a Coreia do Norte persiga e castigue os familiares daqueles que atravessam a salto a fronteira com o sul em busca de liberdade. Isso é próprio das ditaduras. E, se o lamentamos, também já estamos à espera que os ditadores recorram à chantagem para manter acesa a "chama do medo " que sustém os estados policiais.

Sabemos que as ditaduras perseguem, detêm e executam aqueles que ousam revelar os seus crimes e denunciar as suas violações às liberdades e direitos, ainda que camuflados por leis que as justificam e legalizam. Sim, mesmo as ditaduras têm leis que transformam ativistas em espiões, defensores de direitos humanos em terroristas e jornalistas em traidores.

Felizmente que as democracias sempre ajudaram estes defensores das liberdades. Foi por isso que Aung San Suu Kyi, a birmanesa prémio Nobel da Paz, resistiu a 15 anos de prisão por desenvolver atividades subversivas "suscetíveis de prejudicar a paz e a estabilidade da comunidade". Ou Hu Jia, prémio Sakharov, conseguiu ser libertado das prisões chinesas onde estava detido por "incitar à subversão do poder do Estado".

Mas se achamos normal que as ditaduras atuem assim, não esperamos que também as democracias recorram à intimidação e à chantagem para manter em silêncio aqueles que denunciam as atividades pouco claras das suas forças policiais. O caso da revelação dos segredos de espionagem norte-americanos e, por arrasto, também das agências de segurança dos países seus aliados, tem mergulhado as democracias ocidentais numa obsessão securitária que só tem comparação com as mais cruéis ditaduras.

A recente detenção – ainda que temporária – do cidadão brasileiro David Miranda, pelas forças de segurança britânicas, foi mais um elemento desta gigantesca bola de neve em que se transformou o caso Snowden.

David Miranda viajava da Alemanha para o Brasil, com escala no Reino Unido. Nada tinha que fizesse dele um "terrorista", mas as forças britânicas recorreram às leis de combate ao terrorismo para o deter e interrogar. Poderia ser apenas um "falso alerta" se não se desse o caso de Miranda ser o companheiro do jornalista que tem revelado as noticias mais comprometedoras da atividade dos serviços de informações norte-americanos.

As autoridades britânicas podem agora alegar várias razões para justificar a detenção, ela será sempre entendida como um claro sinal para intimidar o jornalista do Guardian. Mas a mensagem chega a todos os que lutam pela defesa da verdade e da liberdade de informar. Nenhum familiar estará a salvo das mãos da polícia. Tudo pode ser devassado, todos podem ser detidos sem acusação. O rótulo de terrorismo serve para tudo.

Mas, ao contrário das ditaduras, as democracias ainda têm instituições para investigar e interrogar as autoridades. É preciso exigir isso aos políticos, para evitar que as democracias também se transformem em ditaduras.



Publicado em Setúbal na Rede em 20/08/2013