quarta-feira, abril 30, 2014

Mistérios


Uma empresa australiana diz ter encontrado o que parecem ser os destroços do avião da Air Malaysia desaparecido em Março. Segundo a empresa, especializada na pesquisa geofísica, parecem ser de um avião as manchas que surgem no fundo do Golfo e Bengala, entre a Índia e Myanmar, muitos milhares de quilómetros a norte da atual zona de buscas.

Curiosamente, a equipa liderada pelos australianos que está a coordenar as buscas já se apressou a não dar crédito à hipótese levantada. É estranha esta reação dos peritos, sobretudo quando há poucos dias admitiam não ter nenhuma prova de que o avião estava no local onde o procuravam.

O mistério do desaparecimento do avião malaio está cada vez mais a intrigar-me.

Começa a ser tudo demasiado estranho para um suicídio. Primeiro a simulação de queda, depois o voo furtivo e agora o aparecimento de sinais das caixas negras num dos pontos mais isolados do planeta. Apesar das dificuldades logísticas, foi feito um rastreio na zona que não encontrou sinal do aparelho.

Eu sei que há sempre uma explicação simples para tudo o que acontece, mas parece que estamos numa conspiração ao nível dos melhores filmes de espionagem.

Se simularam um acidente num sítio, se voaram para outro lado escondidos dos radares, também podemos admitir que essa ação poderia ter tido a cobertura de alguém fora do aparelho. Se assim foi, então também os sinais das caixas negras não correspondem ao local onde o avião está.

Quer dizer que, num cenário de conspiração, se o avião foi desviado e se pousou em algum outro local, poderiam ter tirado as caixas negras do aparelho para depois as lançarem ao mar, ou falsificaram o sinal com outra caixa negra e lançaram-na ao mar, ou ainda o falso sinal foi emitido durante algum tempo por um submarino para concentrar as buscas num determinado local.

Mas porquê esconder o avião? A resposta só pode ser uma: para que não se saiba o que aconteceu. Todas as respostas ao mistério só podem ser encontradas na observação aos restos do aparelho e especialmente às suas caixas negras. Sem isso, apenas restas suposições.

Mas porquê essa preocupação em apagar o rasto? O mistério está no que levava, ou em quem ia no avião. Vejamos: se fosse uma avaria, ou raio, um meteoro ou um ato tresloucado de um dos pilotos, o avião teria caído e pronto. Encontravam-se destroços, as caixas negras e um local onde as famílias pudessem atirar flores. Foi assim com o voo da Air France que caiu no Atlântico. Mas neste caso foi um ato deliberado.

O MH370 desviou-se da sua rota depois de ter subido a uma altitude que poderia ter morto (e provavelmente matou) todos os passageiros, depois desceu como se estivesse em queda livre, para voar durante horas fora do alcance dos radares. Por quê?

Se fossem terroristas teriam reivindicado o atentado ou teria havido outras consequências; se fosse pirataria teria sido pedido um resgate. E se fosse para retirar algo ou alguém que ia a bordo? Aí teria pousado em algum local e depois de alcançado o objetivo, quem o fez ter-se-ia defeito do avião, escondendo-o onde não o pudessem encontrar. Mas o que haveria de tão valioso que justificasse a vida de tantas pessoas? Segredos de Estado.

O caso Snowden demonstrou o que os Estados são capazes de fazer pela preservação dos seus segredos. No caso Snowden não houve mortos, mas também é certo que, em resultado da notoriedade que se alcançou, não poderia haver. Mas que poderia ter acontecido se a fuga tivesse sido travada antes de chegar aos media? Não sabemos.

No caso do voo MH370 apenas podemos admitir que poderia haver algo ou alguém que não podia chegar à China. Que por causa disso o voo foi desviado e os seus passageiros foram mortos. Que o que quer que fosse foi recuperado, o avião foi afundado e falsas pistas foram espalhadas baralhando as buscas de salvamento. Reparem bem no conjunto de casualidades: "queda e buscas no Golfo da Tailândia"; "terroristas iranianos"; busca no Estreito de Malaca e Mar de Andaman"; "golpe terrorista e desvio para norte", "destroços avistados por satélite em vários locais" e finalmente "sinais das caixas negras".

Num mundo que acreditamos estar tão vigiado, parece incrível que um avião possa desaparecer. A menos que alguém não queira que ele seja encontrado, porque a sua descoberta poderia revelar um escândalo de enormes dimensões. Ou não.

quinta-feira, abril 24, 2014

A "ameaça russa" não é o que parece


A recente crise na Ucrânia relançou o debate sobre o alargamento da NATO, mas também sobre o reforço militar da aliança no leste europeu. Os mais atentos notarão o pouco entusiasmo da Alemanha numa resposta mais militarista à Rússia, mas provavelmente associarão isso aos fortes laços económicos entre Berlim e Moscovo. Embora tal seja verdadeiro, não é toda a verdade.

Para os Estados Unidos, o crescimento da NATO e do peso militar na geopolítica europeia representa mais influência norte-americana na Europa. Em contrapartida, para a União Europeia, o alargamento significa atraso nos seus planos para se autonomizar dos EUA.

A ideia de que a Europa une todos os países membros da UE, centralizando a decisão em Bruxelas, pode ser verdade para os transportes, economia, ou políticas sociais, mas não é para a defesa. Não existe uma União Europeia dos ministros da Defesa e a própria defesa da UE é do domínio de cada Estado-Membro.

A NATO é assim a única organização de Defesa na Europa. O problema é que nem todos os países da União Europeia estão na Aliança Atlântica, e há países que integram a NATO e não fazem parte da UE. Um deles chama-se Estados Unidos da América, um parceiro desejado por todos, porque é dissuasor para qualquer eventual ameaça, e que liberta os governos europeus de pesados orçamentos militares.

O inconveniente é que os Estados Unidos têm a capacidade de influenciar a diplomacia europeia e, se isso é irrelevante para Estados como Portugal, Reino Unido ou Polónia que desde sempre tiveram a bússola apontada para os EUA, já não é válido para os Estados que ambicionam ter uma posição de potência regional no continente Europeu. Foi assim com a França e é agora com a Alemanha.

Os alemães "mandam" na Europa e querem conduzir a sua política externa (e a política externa europeia) à sua maneira. Os pilares da diplomacia alemã assentam no reforço da União Europeia e na expansão da sua influência para leste. Porque não convém que essa expansão seja feita em nome alemão (por razões históricas), Berlim aposta numa Europa do Euro, uma federação onde o peso económico será relevante, e esse peso é maioritariamente alemão.

A "ameaça russa" serve os interesses alemães porque valoriza o projeto europeu, retirando influencia aos movimentos nacionalistas que têm crescido na Europa, mas é pontual, só interessa até às eleições europeias. O crescimento económico alemão vai fazer-se a leste, não até à Rússia, mas com a Rússia. Tal como os russos, os alemães têm uma visão continental da geopolítica e isso perturba os países que ficam entre os dois.

O reforço militar norte-americano na Polónia e países bálticos não é apenas uma pressão sobre os russos, mas também uma "força de interposição" entre os dois gigantes continentais. Uma garantia que a Polónia não será mais uma vez partilhada entre Berlim e Moscovo. Não que esse risco exista atualmente, mas é uma mensagem dos EUA que conforta psicologicamente os cidadãos do leste europeu.

O alargamento da NATO e da presença norte-americana na Europa, além de proteger de uma ameaça russa, tem o poder de confortar os Estados europeus de que a sua segurança não será garantida pelos seus vizinhos. Pode ser bom na perspectiva de cada Estado, mas isso tem impedido a Europa de encontrar uma solução para a sua própria segurança e condiciona a sua segurança às opções geopolíticas norte-americanas.

segunda-feira, abril 07, 2014

Os advogados do Diabo



Há políticos e políticos. Uns que, apesar dos seus telhados de vidro, escapam incólumes ao escrutínio dos jornalistas e outros que – tendo também telhados de vidro – veem todos os momentos da sua vida examinados ao pormenor. Não quero dizer que os jornalistas favorecem uns em detrimento dos outros, mas é a constatação de que há políticos que atraem mais os jornalistas. Porquê? Esse é o grande mistério.

Na história da democracia portuguesa houve 17 primeiros-ministros. Certamente que a maioria dos meus leitores terá dificuldade em recordar o nome de uma dezena deles (e estou a ser otimista), mas se pelo contrário, lhe pedir para nomear os mais criticados nos media, não hesitará em citar-me três: Mário Soares, Cavaco Silva e José Sócrates.

Deles sabemos tudo: Os negócios da mãe, dos filhos e do genro; as casas na praia, a vida em Paris ou os amigos de Macau. Sobre eles escreveram-se milhares de páginas, alguns livros e centenas de manchetes. Por causa deles, surgiram jornais que se especializaram nos seus escândalos, e alguns desses jornais acabaram por desaparecer quando o filão se esgotou.

Apesar de tudo, Soares e Cavaco foram eleitos para o mais alto cargo da nação.

No Vaticano, durante um processo de beatificação, são nomeados dois especialistas religiosos. Um deles, chamado de "promotor da fé", reúne todas as provas dos milagres, faz entrevistas, colhe pistas e o outro, apelidado de "advogado do Diabo", vai atacar todas as evidências, juntando tudo o que há contra o candidato. Apesar de campos aparentemente opostos, um e outro contribuem para um objetivo comum: encontrar a verdade.

O jornalismo é como andar no fio da navalha, entre o ódio e o deslumbramento. Quando o jornalista tomba para um dos lados, deixa de ser jornalista. Infelizmente essa é uma realidade muito comum não apenas no jornalismo de política, mas também de economia ou de futebol. Ao tomar uma posição, jornalista torna-se um agente de uma das fações.

A ideia de que o jornalista só se aproximará da verdade se for o antagonista, ou o "advogado do Diabo" é errada porque, ao focar-se no ataque, vai ignorar todas as evidências que contrariam o seu ponto de vista. Na realidade, ao colocar-se desse lado estará a posicionar-se no campo oposto ao que considera ser o do "promotor da fé".

Não sou provedor de outros órgãos de comunicação social, pelo que não referirei nomes nem episódios concretos, mas como observador dos media, estou convicto que a relação entre alguns jornalistas e José Sócrates já entrou na categoria dos ódios pessoais. Se isso é irrelevante para o político, é – do meu ponto de vista – mortal para o jornalista. Põe em causa a sua credibilidade.

Enquanto os políticos conseguem fazer reverter a seu favor os ódios pessoais, conseguindo ganhar votos vitimizando-se, o jornalista ao tomar partido coloca-se num dos lados, e isso é percebido por todos. Naturalmente que haverá sempre quem gabe a sua "coragem" ou critique a "arrogância". Mas, ao contrário dos políticos, o jornalista não pode ser "a favor" ou "contra", porque se for, ele é político também.

Os jornalistas que no passado "perseguiram" Mário Soares e Cavaco Silva, entraram na política ou não ficaram para a história. Também aqueles que há uma década não param de falar de José Sócrates, tal como aconteceu com Soares e Cavaco, de tanto o odiar ainda o vão eleger presidente.


(Publicado em Setúbal na Rede 07/04/2014)