domingo, abril 19, 2015

"Naufrágios no Mediterrâneo: porquê tanta indiferença?" *


"A pior hecatombe jamais vista no Mediterrâneo" sacudiu um pouco as consciências, em resultado do naufrágio deste fim de semana. Mas na semana passada, um outro deixou 400 desaparecidos nas águas do Mediterrâneo e também dos olhos dos media. Em 2014 morreram cerca de 3500 pessoas. Nenhuma dessas tragédias mereceu uma referencia nas redes sociais, ninguém disse "Je Suis Migrant", ou Charlie, ou qualquer coisa que mereça uma selfie ou um banho gelado em memória das vitimas. Aliás, as estas vitimas nem os media lhes deram nome, nem nenhum politico lhes fez alguma homenagem póstuma. E, todavia, por cada dez pessoas que morrem em media por dia, outras 500 a 1000 são recuperadas diariamente pela guarda costeira italiana e pelos navios mercantes. Todos esses sobreviventes trazem consigo sonhos, dramas, memórias, mas nenhum órgão de comunicação procurou descobrir a sua história. São apenas números escritos a vermelho na coluna das vitimas, ou a negro na lista dos refugiados para ser repatriados e recomeçarem tudo outra vez. Números apenas.
A Europa rica, que agora trata os refugiados com desprezo, esquece-se que também teve fome, também teve guerras e também teve refugiados que atravessaram o Atlântico à procura de uma oportunidade. A Europa rica esquece-se que isso lhe pode acontecer outra vez.

* Titulo da notícia do jornal online Rue 89: http://bit.ly/1bcJF4P

quarta-feira, abril 08, 2015

Apanhados na rede


As redes sociais têm sido notícia por casos de pessoas que foram despedidas, condenadas por difamação, ou até mesmo detidas por terem comentado em tom jocoso atitudes, comportamentos ou atributos de colegas de trabalho, superiores hierárquicos, figuras públicas ou até mesmo chefes de Estado.

Comentários que antes se faziam entre um grupo de amigos à mesa do café, são agora transpostos para o Facebook ou Twitter, sem que os seus autores se dêem conta de que aquilo que escrevem, não só é lido por todos os seus seguidores, como fica permanentemente disponível para qualquer um que o possa ler.

Muitas vezes, esses comentários são amplificados pelos jornalistas e saem do espaço “virtual” da Internet para o espaço “real” dos media, sobretudo quando foram produzidos por figuras públicas. São conhecidos casos de afirmações racistas ou xenófobas proferidas nas redes sociais por personalidades conhecidas, que obrigaram depois os seus autores a retratarem-se publicamente. Também, alguns lamentos da vida privada, revelados nas redes sociais por famosos, acabaram por inundar as páginas das revistas especializadas.

Sendo este um problema que afeta toda a gente – desde o político que critica a liderança do seu partido; ou do futebolista que se queixa das opções do treinador; até ao anónimo cidadão cujo comentário pode ser alvo de chacota, ou de conflito, no seu local de trabalho – as redes sociais devem, por isso, ser utilizadas com cautela, avaliando os riscos de dizer algo em praça pública.

Não estou com isso a dizer que devemos condicionar a nossa liberdade pessoal. Mas precisamos de ter consciência das consequências. As redes sociais não são quatro pessoas à volta de uma mesa. E se, quando falamos cara-a-cara com um outro interlocutor, pesamos sempre as palavras que usamos, mais cautela deveremos ter quando não temos uma ideia exata de quem nos vai ler.

Esses cuidados têm os jornalistas quando escrevem nos órgãos de comunicação. Cada jornal, rádio ou televisão tem uma linguagem específica e, ainda que existam variantes no modo como se trabalha a notícia em cada um deles, há em todos – pelo menos deve haver – o cuidado de que tudo o que é noticiado ter sido confirmado e apresentado de forma isenta. O que é extraordinário é que sejam os próprios jornalistas a esquecerem-se dessa regra quando escrevem no Facebook.

Pode o jornalista comportar-se nas redes sociais de modo diferente do que lhe é exigido em contexto profissional? E quando isso acontece, pode o jornalista sustentar que tem direito à liberdade de opinião? Pode a direção do seu órgão de comunicação pedir-lhe satisfações?

Vejamos a questão por outro ângulo: imagine que um advogado se lamentava no Facebook da falta de paciência que tem para aturar o seu cliente, ou um médico que afirmava que, se apanhasse determinado político numa urgência, o matava. Ou mesmo o padre que clicava “gosto” em todas as fotos eróticas. Não faria sentido, porque em todas estas profissões há uma ética que se sobrepõe, independentemente de estarem ao serviço ou não.

Então porque é que o jornalista desportivo festeja nas redes sociais o golo do seu clube? Ou o jornalista de política assume claramente as suas opções partidárias?

É certo que uns e outros podem ter as suas opções pessoais. Já houve jornalistas que trabalharam como assessores de imprensa, em partidos políticos ou clubes de futebol. Alguns jornalistas foram mesmo deputados. Mas desde sempre, quando isso acontece, separam-se as águas: ou se deixa de ser jornalista – quando há incompatibilidade – suspendendo a carteira profissional, ou – quando a atividade é compatível – evita-se o conflito de interesses, procurando uma especialização jornalística afastada da atividade conflituante. É simples.

Mas em Portugal há que goste de complicar.

O Diário de Notícias, o Expresso e a SIC querem avançar com normas de conduta nas redes sociais para os seus jornalistas. Também a TVI e a RTP ponderam discutir essa possibilidade. Os defensores do código de conduta sublinham que a fronteira entre o que é pessoal e profissional é cada vez mais difusa. Por isso, as normas visam evitar os erros que são cometidos hoje.

O jornalismo está sujeito a princípios éticos e deontológicos que se impõem, independentemente da plataforma que cada jornalista utiliza. Hoje já existe o Código do Jornalista que é a lei que enquadra a profissão; também o Código Deontológico, representando o conjunto de normas de autorregulação; e cada órgão de comunicação social tem o seu Estatuto Editorial, onde define as orientações dos seus profissionais e conteúdos.

Não são precisos mais códigos, é preciso bom senso. As normas implicam controlo e policiamento. Os órgãos de comunicação que sintam a necessidade de maior clarificação, que façam uma atualização do seu Estatuto Editorial, esses sim, muitas vezes reduzidos a palavreado sem sentido, quando devem ter um objetivo real.


(publicado em Setúbal na Rede em 08/04/2015)