terça-feira, dezembro 13, 2011

Os Jornalistas são de Esquerda?




“Todos os jornalistas são de esquerda”. Uma frase que oiço diversas vezes num tom que não permite réplicas, como se enunciasse uma verdade científica. Porém, nenhuma destas pessoas alguma vez protestou pelo facto dos grandes meios de comunicação social estarem concentrados nas mãos de grupos económicos maioritariamente de direita.

Esta aparente contradição lança por terra o argumento que a tendência política dos jornalistas influencia aquilo que escrevem. Na verdade, nem todos os jornalistas são de esquerda, nem os grandes grupos económicos usam o seu poder para imprimir uma cor politica aos seus órgãos de comunicação social.

Isto não significa que os jornalistas não tenham preferência política. Evidentemente que terão. Ainda que alguns – tolamente – proclamem a sua “independência” argumentando que “até nem votam”. A verdade é que os jornalistas são simultaneamente atores e produtores da realidade. Ou seja, influenciam e são influenciados pela realidade de produzem. Por outras palavras: Acreditam naquilo que escrevem, e o que escrevem é condicionado por aquilo em que acreditam. Não é apenas uma questão de opção politica.

Alguns puristas dirão que o jornalista dá conta da realidade, não a “produz”. Estão errados. Há muito que os jornalistas levaram as notícias para o mundo da representação. Um universo com linguagem, códigos e verdades próprias. São os jornalistas que decidem o que é notícia mas é o conjunto dos órgãos de comunicação social que lhe atribui significado. Há como que um acordo tácito distinguindo um acontecimento digno de interesse de outro sem importância. O que é notícia num órgão de comunicação social acabará por ser noticiado por todos os outros, ou deixará rapidamente de ser notícia.

O Sociólogo Pierre Bourdieu escrevia que os jornalistas têm “óculos” através dos quais veem o mundo. Com eles conseguem ver certas coisas e não outras. Mas, sobretudo, os jornalistas observam-se uns aos outros e avaliam-se uns aos outros. E, ainda que as rivalidades pessoais e a concorrência entre os órgãos de comunicação social espelhem uma aparente diversidade, escondem um entendimento de fundo, em que todos têm de falar da mesma coisa, sob pena de “não serem jornalistas, mas meros jornaleiros”.

Arrastados por este movimento, os restantes atores quer sejam políticos, sindicalistas ou vítimas de inundações têm de conhecer bem o seu “papel” para obter um lugar no palco mediático. É por isso que, ainda que mudem os “atores”, o discurso do personagem é sempre o mesmo. Deste modo, o universo mediático não só é produzido como se reproduz em todos os órgãos de comunicação social, moldando os discursos e criando uma “versão oficial” do acontecimento.

Deixem-me contar-lhes este episódio: Campanha eleitoral do PSD em 1991. Em Aveiro, à porta do local onde iria realizar-se um jantar comício do PSD, cerca de duas centenas de manifestantes aguardavam a chegada de Cavaco Silva, na altura Primeiro-ministro. Todavia a caravana de Cavaco estava atrasada algumas horas e entre os manifestantes perpassava algum desânimo. Porém, quando se ligou o projetor da (na altura única) camara de televisão, todo o grupo se agitou num frenesim, gritando palavras de ordem, como se o próprio primeiro-ministro estivesse ali. Apagadas as luzes, os manifestantes enrolaram as bandeiras e partiram. Quando Cavaco Silva chegou restavam poucas dezenas que se limitaram a gritar algumas palavras de ordem, sem grande entusiasmo. O espetáculo já tinha sido feito. A realidade tinha sido ultrapassada pela ficção.

Significará isto que todos os jornalistas são de esquerda? Não. Mas como explicou Pierre Bourdieu, tal como no cinema, a informação do dia-a-dia poderia ser acompanhada por um longo genérico em que um vasto coletivo contribuiu para a realização daquela obra. Se ela é “de esquerda” ou “de direita” é apenas o resultado do espirito do tempo.

Quando me dizem que “Todos os jornalistas são de esquerda” eu corrijo: “Não. São todos do Benfica”. Geralmente, os meus interlocutores ficam satisfeitos.