quarta-feira, julho 24, 2013

Direito ao Esquecimento


O tema é recorrente aqui no Setúbal na Rede, mas é sempre importante para os leitores, sobretudo aqueles que, por qualquer razão, se viram envolvidos numa situação que prejudica o seu bom nome: Temos o direito a ser "esquecidos" pela Internet?

A pergunta partiu de um cidadão espanhol que se cansou de ver um facto antigo da sua vida ser constantemente recordado pelo Google, cada vez que escrevia o seu nome no motor de busca norte-americano. Concretamente um anúncio de leilão por penhora dos seus bens em consequência de dívidas ao fisco e à segurança social.

Por considerar que a situação relatada pelo anúncio, já estava resolvida e as dívidas pagas, levou a queixa ao organismo espanhol de proteção de dados que negou o pedido para apagar o anúncio original, por considerar que a publicação daquela informação tinha justificação legal. Porém, a agência espanhola considerou que eram relatados dois casos distintos: O primeiro, o anúncio publicado; o segundo, o facto de ele aparecer numa busca normal no Google.

Se no primeiro caso, um anúncio publicado numa determinada data não deve ser apagado - da mesma forma que não o são os anúncios publicados em jornais de papel - já no caso de ele aparecer sistematicamente nas pesquisas do Google poderia ser considerado "violação de privacidade". Por isso, a Agencia Española de Protección de Datos apresentou queixa contra a empresa norte-americana no Tribunal de Justiça da União Europeia.

A partir daqui o caso do cidadão espanhol passa a interessar a todos os europeus. Temos direito ao "esquecimento" na Internet? Poderemos pedir que informações pessoais sejam apagadas dos motores de busca da Internet?

O caso remonta a 2010 e o Tribunal europeu ainda não se pronunciou, mas há um dado novo que poderá indiciar o rumo da sentença: O advogado geral do Tribunal apresentou recentemente um parecer que é desfavorável a esta interpretação da agência espanhola. Mais precisamente: O Google "não tem a obrigação de apagar conteúdos a pedido do utilizador".

Este parecer coincide com a interpretação dos factos defendida pela empresa norte-americana. Para o Google, se a informação é incorreta, é a fonte original dessa informação que deve ser corrigida. Já obrigar a empresa a suprimir essa informação, constitui "um atentado à liberdade de expressão".

Parece que estamos, como se costuma dizer em linguagem coloquial, numa "pescadinha de rabo na boca". Por um lado temos uma informação que, embora tenha sido verdadeira, agora já não o é, e por outro, o Google que a recupera constantemente e ninguém a pode apagar. Naturalmente que esta é a perspectivas do cidadão espanhol e de outros casos semelhantes, até mesmo de alguns leitores do Setúbal na Rede. A minha é outra.

Admito que corro o risco de vir a ser desmentido pelos juízes do Tribunal de Justiça da União Europeia. Como disse, ainda não foi pronunciada a sentença, e com os recentes casos de espionagem envolvendo as grandes empresas da Internet, é possível que os juízes venham a dar como provados outros factos que eu desconheço e a sentença acabe por contemplar o "direito ao esquecimento" num pacote mais amplo de proteção da privacidade.

De salientar ainda que o Parlamento Europeu está a discutir alterações à lei de Proteção de Dados na União Europeia e que poderá alterar significativamente a atuação das grandes empresas da Internet. Essa lei poderá vir a ser aprovada até 2014.

Mas vamos ater-nos aos factos relatados acima. O argumento do cidadão espanhol é de que há UMA informação que deixou de ser verdadeira, por isso deve ser apagada, ou pelo menos, não mostrada. Na minha opinião há DUAS informações, ambas verdadeiras: A primeira refere-se ao caso da penhora, a segunda ao pagamento das dívidas. Ambas são verdadeiras e nenhuma deve ser apagada. A diferença está na data de cada informação. A data de publicação deve estar na informação e deve ser disponibilizada pelo motor de busca.

Mesmo se, no caso de um jornal digital, se verificar que determinada notícia é incorreta ou mesmo falsa, entendo que nem por isso deva ser apagada, tal como não é rasgada de todos os jornais em papel guardados nas hemerotecas. O suporte digital tem, todavia, uma vantagem em relação ao papel, pode ser atualizado em rodapé remetendo para outra página que voluntariamente ou por ordem judicial corrige a informação anterior.

Como disse, esta é uma matéria que está em permanente atualização. Novas leis vão surgir e decisões judiciais vão moldar o futuro do digital. A devassa da privacidade dos utilizadores pelas empresas fornecedoras dos serviços ou pelas agências de espionagem pode condicionar o modo como iremos perceber a Internet no futuro.

Os motores de busca são ferramentas úteis para o acesso à informação e tudo o que está na "nuvem" digital faz parte da história da humanidade, como os livros de uma biblioteca ou os arquivos de uma nação. É verdade que muitas bibliotecas foram queimadas em nome da moral ou da verdade de alguns.

Espero que não regressemos a esses tempos sombrios, e que se preserve toda essa informação, mesmo que ela hoje nos pareça inútil. Talvez os arqueólogos do futuro estudem esse "lixo" digital como os arqueólogos de hoje estudam as lixeiras dos homens das cavernas. O mundo digital é o espelho do que somos e como pensamos. Não o podemos apagar.

(Fonte: El País)

Publicado em Setúbal na Rede em 24/07/2013