terça-feira, maio 28, 2013

O Circo


As recentes declarações de Miguel Sousa Tavares sobre Cavaco Silva deram que falar nos últimos dias. Infelizmente não foram um caso isolado. Os media têm servido de suporte para acusações semelhantes, caluniando muitas outras pessoas.

Se a ofensa é sempre da responsabilidade do seu autor, a banalização da sua utilização é culpa dos media. Quer quando os jornalistas valorizam o supérfluo, em vez da essência da notícia, quer quando os comentadores se deslumbram pelo espetáculo mediático e se esquecem das regras mais elementares de bom senso.

A diferença entre o "Cavaco palhaço" de Miguel Sousa Tavares e o "Sócrates morde-canelas" de Marcelo Rebelo de Sousa, parecendo que não é nenhuma, é imensa. A de Miguel Sousa Tavares – apesar de comentador – foi proferida numa entrevista, a um jornal, na qualidade de figura pública; a de Marcelo Rebelo de Sousa foi dita nas suas entrevistas semanais de comentário político.

Ao contrário das figuras públicas, os comentadores vivem numa espécie de impunidade. Talvez por causa dessa perceção, o comentador Miguel Sousa Tavares tenha reconhecido o excesso de linguagem do seu alter-ego. Tivesse feito igual afirmação enquanto comentador televisivo, e possivelmente não haveria tanto frenesim mediático.

Com efeito, não é necessário fazer um grande esforço para perceber que a "linguagem de café" é comum à maioria dos comentadores de imprensa, TV e rádio. E nem falo dos comentadores desportivos, bastam-me as "almas maltratadas pelos eleitores", como lhe chamou José Manuel Fernandes numa crónica no Público.

A "linguagem de cavador e mineiro", um estilo batizado por Sousa Franco – e inaugurado por Jorge Coelho – tomou conta da política (nacional e autárquica) e chegou aos comentários televisivos, onde velhas figuras políticas debatem os temas da atualidade como se estivessem a comentar os jogos do Benfica, entre umas dentadas nos tremoços e um gole de cerveja. 

Régis Debray escrevia que os meios de comunicação focam-se na personalidade, não no coletivo; nas impressões e não no inteligível; na singularidade e não no universal. São estas três características que determinam a natureza do discurso dominante e o perfil do seu utilizador. 

Para os comentadores televisivos não é relevante o que dizem, mas como o dizem. Em vez de formarem opiniões, deformam. No afã de chegarem ao topo das audiências em vez de descodificarem a informação, codificam-na, privilegiando o espetáculo em vez do fundamental. O soundbite e o discurso concordante com a opinião dominante são os seus instrumentos. Por um lado dizem aquilo que todos querem ouvir, por outro lado procuram dizê-lo de modo diferente de todos os outros. Já não há esquerda nem direita, eles voltam-se para onde sopra o vento. Por isso nos maravilhamos com os políticos-comentadores de direita que agora têm um discurso de esquerda e os jornalistas fazem notícias disso, como fizeram no passado de outros políticos-comentadores de esquerda quando tinham discursos de direita. São jogos de trapézio que alimentam o circo mediático.

A linguagem faz parte desses números de circo. É mais um elemento diferenciador entre os vários comentadores-artistas. Não para serem entendidos pelo seu público, mas para serem conhecidos. A sua sobrevivência depende disso. Já quanto aos órgãos de comunicação social que lhes servem de tribuna, não sobreviverão muito tempo se seguirem por esse caminho.




Publicado em Setúbal na Rede a 28-05-2013