sábado, março 15, 2014

Tambores de guerra


Numa guerra, a primeira a morrer é a verdade e as primeiras armas a disparar são as palavras. Nenhum conflito se resume a um jogo de "polícias e ladrões" em que de um lado todos são bons e do outro estão os maus. O mundo não é a preto e branco.

Mas, na altura em que se ouve o rufar dos tambores, a mensagem polariza-se, generaliza-se, hiperboliza-se e repete-se, tal como ensinam os manuais militares deOperações Psicológicas. De um lado está a "oposição", ou outra palavra suficientemente vaga para que caibamos todos nós; do outro está o déspota: "Assad", "Saddam" ou agora "Putin". É preciso que tenha um nome e um rosto, para que o ódio possa ser focado. É esse personagem terrífico que bombardeia e mata, muitas vezes o seu próprio povo. Os "nossos" nunca atacam, mas "conquistam posições", e se houver vítimas serão "danos colaterais".

Não estou a dizer que os jornalistas manipulam os factos, na verdade são os factos que manipulam o jornalista. Uma narrativa implica um conjunto de ações e reações que contribuem para um determinado desenlace. O jornalista pode escolher entre ser a correia de transmissão ou o indagador.

Na guerra há profissionais para produzirem factos que conduzem a uma determinada narrativa, sobretudo nas guerras de hoje que se ganham ou perdem no campo interno. É a opinião publica que decide se os seus militares fazem uma retirada humilhante ou se pelo contrário avançam de peito firme em direção de coisa nenhuma. É ela que decide se há orçamento e soldados para alimentar uma guerra ou se terão de ser os diplomatas a encontrar uma saída, e o seu apoio conquista-se através dos media, muito antes de se disparar o primeiro tiro. Esse é o momento que agora vivemos: o da legitimação do combate, incitando, sugerindo e hiperbolizando os riscos.

Tal como o náufrago à deriva na corrente enfurecida, o jornalista tem apenas duas opções: ou nadar, ou deixar-se levar. Seja qual for o caminho que siga, encontrará sempre verdades para noticiar, mas ao escolher um lado, assume que há verdades que não quer revelar.

Preocupa-me que os media nacionais, e os jornalistas em particular, se encontrem à deriva nesta interpretação unívoca da realidade. Ela é o oposto do que se produz "no outro lado" - e não quero com isso dizer que é do outro lado que está a verdade - o que temo é que ambos estejam a olhar o mundo de "olhos fechados". Até porque os riscos e ameaças agora desenhados podem desfazer-se em nada no dia em que os fabricantes de guerras olharem para outro lado.

Vejam o caso da Síria: depois de tudo o que se disse e escreveu, acabou por sair do noticiário internacional não porque a guerra tivesse acabado, mas apenas porque perdeu o interesse para aqueles que estavam interessados nela.



Publicado no Setúbal na Rede em 10/03/2014