sábado, fevereiro 18, 2012

Eram tão simples as nossas mãos…



eram tão simples
as nossas mãos 

ainda tão simples
e prontas

quando 
nos procurávamos

como se tudo
nos faltasse

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Os Senhores do Dinheiro


A história repete-se. Muitas vezes nós esquecemo-nos de lê-la. 
Ignacio Ramonet descreveu em 1998 a crise que hoje vivemos e apontou os autores.

“Por vezes, os investimentos especulativos concentram-se em [países onde] a Bolsa de Valores local oferece perspectivas de lucros fáceis e importantes, e porque as autoridades prometem aos capitais flutuantes taxas de juros aliciantes demais. Mas isso não garante, de modo algum, uma decolagem económica. Com efeito, quanto mais rapidamente chegam, mais depressa os capitais podem ir embora. De um segundo para o outro. Como aconteceu com o México que, em 1994, teve a amarga experiência desse fenómeno.
O México só escapou à falência total, graças [a] uma ajuda internacional maciça […], É importante que nos perguntemos se essa ajuda procurava salvar o México (cujo petróleo passou para o controle dos Estados Unidos que se desforravam, assim, do presidente Lazaro Cardenas que. em 1938, tinha nacionalizado as companhias petrolíferas americanas…), ou se visava salvar o sistema financeiro internacional.
Com efeito, não se assistiu à mesma solicitude em outras situações de urgência […].
A que grau de absurdo chegou o sistema financeiro internacional? Daqui em diante ele obedece ao cada um por si. Ninguém arbitra um jogo cuja organização não tem qualquer lei, fora a da busca do máximo lucro.  Para todos, esta crise terá revelado quem são os novos senhores da geofinança: os gestores dos fundos de pensão e dos fundos comuns de investimento. São eles que, em linguagem de especialista a imprensa económica denomina: “os mercados"[…].
O México foi o primeiro que experimentou o choque. Deixou aí uma parte da soberania nacional.
Do mesmo modo que os grandes bancos ditaram, no seculo XIX, qual deveria ser a atitude de numerosos países, ou como as empresas multinacionais procederam entre os 60 e 80 [do seculo XX], daqui em diante os fundos privados dos mercados financeiros detêm em seu poder o destino de muitos países. E, em certa medida, o destino económico do mundo.”

Ignacio Ramonet, Geopolítica do caos, 1998, Editora Vozes, Petrópolis, pp 50,51.

Viajar... Perder países!

Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

(Fernando Pessoa)

quarta-feira, fevereiro 15, 2012

La Lettre


Elle ne pleure pas ma lettre,
Elle ne parle que tout bas.
Mais si tu m’écrivais, peut-être
Que je ne t’écrirais pas.

Je suis tout au bout de la peine,
Là où commence le trépas.
Le soleil brille sur la Seine,
Je ne l’aperçois même pas.

Dans le matin j’entends la cloche,
Dont les échos sèment le glas.
Je recherche en vain dans mes poches,
Un coin où tu ne serais pas.

Je regarde pousser les arbres
De Paris qui me tend les bras
Que me font les tours et les marbres
Puisque où je suis, tu n’es pas.

Il faudrait que je m’habitue
A ce que tu ne sois pas là
Mais c’est bien là ce que me tue
Je ne m’y habituerais pas.

Mais j’ai dit « pas de larmes »
Si mon cœur saigne à chaque pas
Ce n’est pas la faute des armes
C’est parce que tu ne m’écris pas.

(Maurice Brueziere)

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

O valor da notícia




Porque há notícias que valem mais que outras?

Porque é que um naufrágio na Papua Nova Guiné – onde terão morrido mais de cem pessoas – não tem o mesmo destaque mediático que o naufrágio de um navio de cruzeiros na costa italiana?

Podem parecer perguntas de retórica, mas que nos levam a refletir sobre os critérios de seleção das notícias pelos jornalistas.

Quando olhamos para um jornal ou para o alinhamento de um telejornal raramente nos interrogamos porque é que certas notícias têm um destaque diferente de outras ou, porque é que algumas notícias, que consideramos importantes, têm nos media um tratamento breve, ou são esquecidas pelo alinhamento informativo.

Seria uma ilusão pensar que, quando ouvimos uma síntese informativa na rádio logo pela manhã, que aquela é “toda a informação” – ainda que resumida – de tudo o que aconteceu enquanto estivemos a dormir. Será quanto muito “o essencial da informação” ou “a informação relevante”, o que implica necessariamente uma escolha. Mas, quem escolhe as notícias que nos são apresentadas diariamente?

A resposta óbvia é: “o jornalista”. E todavia, como assinala o sociólogo Pierre Bourdieu, os jornalistas têm “óculos” através dos quais “vêem certas coisas e não outras, e vêem de uma certa maneira as coisas que vêem”. Ou seja, o mundo apresentado pelos jornalistas é já o reflexo do modo como estes vêem o mundo.

Os jornalistas procuram definir a notícia à luz de três critérios: Novidade, Proximidade, Importância. Não são os únicos critérios que definem o que é notícia, mas serão certamente os mais citados. A chegada do homem à Lua, sendo importante não é propriamente uma novidade, do mesmo modo que o naufrágio na Papua Nova Guiné, sendo importante está mais distante que o naufragado Costa Concórdia, que até transportava turistas portugueses. Além de que, do sudeste asiático até à mais remota ilha da Oceânia, os naufrágios acontecem com infeliz regularidade. Fica assim, aparentemente, “arrumada” a resposta à minha segunda pergunta. Mas não é suficiente para responder à primeira.

Porque há notícias que valem mais que outras?

Um dos critérios que valoriza a notícia é A Morte. “Onde há morte, há jornalistas”escreve Nelson Traquina no seu manual sobre jornalismo. Com efeito, os jornais televisivos mostram-nos diariamente guerras, tragédias, atentados. Sangue. Nesse aspeto, um paquete tombado, como uma baleia encalhada na praia “vale mais” do que alguns destroços indiferenciados a flutuar no mar azul. Ainda que o número de vítimas tenha sido muito maior no segundo, “a morte” é mais evidente no primeiro. É por isso que, quando um barco de pescadores desaparece no mar, os jornalistas não acorrem aos centros de busca e salvamento, nem se juntam às equipas que procuram os desaparecidos. Preferem a dor dos familiares. A ausência não “vende”, as lágrimas sim.

Isto não significa que o jornalista seja alguém destituído de valores morais e, qual ave necrófaga, esteja sempre à procura do próximo moribundo para o acompanhar até ao seu estertor final. Não, o jornalista acredita que o seu papel é informar as pessoas sobre assuntos que interessam a essas pessoas. Um jornalista não diz “eu gosto de sangue”, mas pensa: “os meus leitores querem sangue”. Porém, ao escrever o que julga interessar aos seus leitores, o jornalista está também a ditar-lhes o que lhes deve interessar.

Publicado em Setúbal na Rede - 06-02-2012 09:48

A luta continua




O calendário tem mais um ano e o "Setúbal na Rede" inicia um novo ciclo. Quis o destino que as datas se aproximassem e, a cada aniversário deste jornal on-line, juntamos os desejos de um bom ano que também começa.

Infelizmente os políticos e os economistas cedo nos prepararam para não termos muitas expectativas para 2012, pelo que desejar “um ano pleno de sucesso” soará a falso perante o horizonte cinzento que nos ensinaram a vislumbrar. Poderia seguir a sugestão do Presidente da República e desejar ao "Setúbal na Rede" um ano “tão bom quanto possível”, porém isso soa-me de tal forma modesto que seria o mesmo que dizer “seja o que Deus quiser”, como se nós não quiséssemos coisa nenhuma.

A verdade é que anos difíceis têm sido quase todos. Este não será muito diferente.

Para os órgãos de comunicação social privados, há muito que os “cortes”, “emagrecimento” ou “redução de gorduras” fazem parte do vocabulário corrente, como se os gestores dos media fossem todos médicos nutricionistas. Os jornais, rádios e televisões vivem do marketing dos outros e por isso são os primeiros a sentir a crise e os últimos a sair dela.

Quem estudou gestão sabe que perante uma crise, primeiro corta-se no marketing, depois no equipamento e finalmente nas pessoas. Portanto, se as empresas estão agora a despedir é porque já antes cortaram naquilo que é essencial para a sobrevivência dos média.

Ao longo dos 14 anos de existência, o "Setúbal na Rede" tem passado dificuldades, mas sempre tem resistido. Conseguiu cimentar uma imagem de prestígio num meio que começou por lhe ser agreste e que agora é, cada vez mais, concorrencial. Escrevo “agreste” porque a Internet no seu inicio – apesar de elitista – não via com “bons olhos” o surgimento de jornais digitais. Quanto muito, tolerava que a imprensa “em papel” tivesse a sua versão electrónica, enquanto a “imprensa digital” era olhada com desdém, como algo feito por amadores ou adolescentes sem colocação no mercado de trabalho. Esse desprezo reflectia-se no investimento que o mercado publicitário reservava à Internet: quase zero. E, apesar de tudo, o "Setúbal na Rede" resistiu.

Agora, que muitos vêm na Internet a oportunidade de fazer crescer os seus negócios, o"Setúbal na Rede" está “de pedra e cal”, como órgão de comunicação social prestigiado. Enquanto o jornal de papel continua o seu declínio, as rádios caminham para o esvaziamento e as televisões se canibalizam para segurar as audiências, a Internet começa a surgir como um porto seguro. Os gestores de marketing estão atentos: cada vez é maior o número de utilizadores que recorrem exclusivamente ao digital para se manterem informados.

Se a televisão ainda é o meio que recolhe mais investimento publicitário (57,3%), viu em 2011 esse investimento decrescer (-11,4%). Em contrapartida, o on-line subiu 10% em 2011, valendo já 29 milhões de euros e 6,1% do mercado publicitário (fonte: Diário Económico, Janeiro 2012. Valores referentes ao período entre Janeiro e Novembro de 2011).

Portanto, se a perspectiva para 2012 é pessimista, para os jornais digitais há sinais de esperança que assentam nessa contradição de que, quanto maior for a crise, mas as pessoas procurarão a informação gratuita. As rádios locais desbarataram a importância que alcançaram, transformando-se em repetidores de música gravada, sem nenhuma comunicação. A imprensa regional está pressionada com elevados custos de produção e fracos recursos financeiros. A TV regional ainda não ganhou credibilidade no on-line e não tem qualidade para chegar à distribuição por cabo. Para os jornais digitais é altura de fazer das fraquezas dos outros, a sua força e aproveitar a oportunidade.

"Setúbal na Rede" tem um capital de prestígio conquistado ao longo destes últimos 14 anos e isso é de um valor inestimável. Para este ciclo que agora começa, só posso desejar muito trabalho e… não parem de lutar!

Publicado em Setúbal na Rede - 09-01-2012 09:41

Apagar a História




Todos nós, certamente, já tivemos vontade de voltar atrás e apagar o passado, como apagamos uma frase escrita na tela do computador. Por vezes desejamos que determinadas palavras não tivessem sido ditas, ou que certos factos não tivessem ocorrido. Mas, quando isso acontece, o nosso primeiro pensamento é “como apagar?”, “como anular?” ou “como fazer que ninguém note?”. Por isso não surpreende que essas sejam algumas das solicitações mais repetidas ao diretor do "Setúbal na Rede".

No romance 1984, de George Orwel, o principal personagem é um funcionário público cuja tarefa é reescrever artigos de jornal de modo a que o registo histórico seja congruente com a ideologia em vigor no governo. O romance, que é muito mais do que uma simples metáfora política, explica que a falsificação da História é uma forma de controlo de poder:“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado”.

A trama de 1984 veio-me à memória quando me pediram para escrever sobre as várias solicitações para apagar ou impedir o acesso a notícias de arquivo que, por uma razão ou por outra, se tornaram incómodas para os visados. Não porque eu possa acrescentar muito mais à excelente fundamentação de João Palmeiro na crónica “O Direito ao Esquecimento” que pode ser lida no arquivo da Provedoria do Leitor do "Setúbal na Rede".

Todos os jornais têm o seu arquivo, onde se guarda o histórico de documentos recolhidos e artigos publicados. Há também as hemerotecas, geralmente integradas em bibliotecas ou museus, que organizam e guardam jornais e revistas para posterior consulta. Não creio que alguém tenha solicitado a qualquer um desses arquivos que determinada noticia fosse recortada ou coberta por tinta preta. Então porque o solicitam ao "Setúbal na Rede"?

Porque a Internet simplificou o acesso à informação.

Hoje é possível folhear as páginas de um jornal de 15 de Outubro de 1910, tal como ler as notícias do "Setúbal na Rede" publicadas em 23 de Fevereiro de 1998. A diferença é que para ler o jornal impresso é necessário deslocar-se a um arquivo especializado, já para ler o "Setúbal na Rede" basta escrever algumas palavras-chave num motor de busca. Trata-se de uma diferença abissal que incomoda muita gente.

Além da facilidade de acesso, a Internet “aplanou” a dimensão temporal. Os documentos sugeridos numa busca on-line não se organizam por ordem cronológica, mas por um complexo (e secreto) algoritmo, baseado no histórico das buscas do utilizador, nas páginas mais vistas, no número de referências da palavra procurada além de outros critérios que os autores dos motores de busca querem manter confidenciais. Desta forma, o mais antigo pode surgir primeiro que o actual, do mesmo modo que o falso pode aparecer primeiro que o verdadeiro.

Ao contrário de um arquivo numa hemeroteca, onde uma coleção de jornais surge classificada e encadernada em volumes mensais ou anuais, na Internet o arquivo está aparentemente desordenado, podendo ser organizado de acordo inúmeros critérios. A vantagem de ter uma biblioteca que se arruma de formas diversas, consoante aquilo que se procura obriga, no entanto, o utilizador a separar o “trigo do joio”. Em contrapartida, numa hemeroteca organizada por ordem cronológica, o utilizador precisa de saber onde começar a procurar.

Mas, e se a notícia se refere à suspeição de um delito que, mais tarde, se veio a provar em tribunal que era infundada. Deve ser mantida? Claro. Numa revista ou jornal a mesma notícia estará impressa em papel para quem a guardou. Ninguém vai apagá-la. Ela foi publicada e deu origem ao processo judicial que provou que estava errada. Faz parte da História, tal como o desmentido e o direito de resposta. Não imagino que no on-line existam algum dia funcionários a reescrever, ou a apagar, as notícias do passado, só porque convém que assim seja no presente.

O jornalista relata a actualidade, mas o que produz faz parte da História.

Publicado em Setúbal na Rede - 13-12-2011 10:29