Vivemos numa era em que a opinião se tornou um bem de consumo rápido, servido em doses diárias nos ecrãs, rádios e plataformas digitais. Os comentadores-residentes, figuras que opinam sobre tudo com a mesma convicção, ocupam hoje o lugar que antes era reservado ao jornalismo rigoroso e à análise fundamentada. Não é um fenómeno novo — Pierre Bourdieu já alertava, em Sobre a Televisão (1996), para o perigo dos fast-thinkers: pessoas que, dominando a lógica mediática, substituem o debate profundo por frases curtas e certezas fáceis.
A televisão, e por extensão os novos média, operam por circularidade: jornalistas que citam comentadores, comentadores que respondem a jornalistas, programas que reproduzem debates fabricados por outros programas. A informação gira em circuito fechado, alimentando-se a si própria, enquanto a realidade é reduzida a um conjunto de slogans. Pascal Boniface, em Les Intellectuels Faussaires (2011), criticou este mesmo mecanismo, apontando a forma como pseudoespecialistas, protegidos pela sua visibilidade mediática, moldam a opinião pública com simplificações ou falsificações convenientes.
Este é, talvez, o maior paradoxo do nosso tempo: nunca tivemos tanto acesso à informação, mas raramente tivemos tão pouco discernimento na sua filtragem. A lógica da velocidade e da viralidade criou uma arena onde o saber não é premiado — o palco é ocupado por quem fala mais alto ou gera mais cliques. A consequência é uma opinião pública condicionada, não pela pluralidade de vozes, mas por uma elite mediática que repete as mesmas narrativas até que estas pareçam consensuais.
O papel do jornalista — e do verdadeiro intelectual — deveria ser outro: mediar, contextualizar, descodificar. Não cabe ao jornalista ser oráculo ou árbitro moral, mas sim ajudar a sociedade a compreender os factos em toda a sua complexidade. A humildade de reconhecer o “quase nada de quase tudo” é o que distingue o jornalismo como serviço público e não como espetáculo.
Se Bourdieu e Boniface permanecem tão atuais, é porque os seus alertas foram ignorados. A crítica à superficialidade e ao domínio dos pseudoespecialistas não era apenas uma análise do final do século XX; é uma radiografia precisa do presente. Se nada mudar, corremos o risco de assistir a uma degradação irreversível do debate público — transformado em ruído, em vez de conhecimento.
Sem comentários:
Enviar um comentário