quarta-feira, dezembro 11, 2013

Isco e Anzol


A ideia de que a informação deve ser espetáculo leva os jornalistas na busca pelo inusitado, atrás do cintilante e colorido que muitas vezes compõem o supérfluo da informação.

Atraídos, como borboletas pela luz, os jornalistas correm atrás da linguagem fácil dos estereótipos e discursos feitos, num deslumbramento que se dispensa de verificar as fontes, ou mesmo a verdade dos factos.

A manifestação "de apoio à troika", agendada para o passado 26 de outubro, foi reveladora dessa ingenuidade dos profissionais dos media. Sem se questionarem, sem verificarem a veracidade da convocatória, os jornalistas apressaram-se ao encontro dos manifestantes, não sem antes espalharem aos quatro ventos o agendamento de tão extraordinária manifestação.

Depois de se surpreenderem com o engano, e em vez de se indignarem, relataram o "circo" do protesto, ignorando – e omitindo – que também eles fizeram parte desse circo, também eles contribuíram para o embuste.

Em vez do repúdio pela armadilha em que caíram, maravilharam-se com a "iniciativa irónica", ou a "ação genial" de marketing de guerrilha. Em vez de denunciarem o logro, abraçaram e divulgaram a iniciativa, legitimando o ardil e escondendo que eles foram as primeiras vítimas.

Tal como os insetos esvoaçando em torno da lâmpada, o jornalismo lança-se no fogo, pensando "ver a luz". Os criativos de marketing sabem disso e atiram aos jornalistas iscos cada vez mais elaborados que são mordidos na mesma proporção com que os jornalistas se identificam com a mensagem.

Pierre Bourdieu, um sociólogo francês que estudou os media, explicava que só é notícia o que o jornalista "acha que é". Convencer o jornalista é, portanto, o primeiro objetivo para o sucesso da mensagem. Para isso é necessário conhecer o argumentário, usar as suas técnicas e simplificar-lhe o trabalho.

O novo marketing informativo diz-lhes "não penses, nós pensamos por ti; não perguntes, nós damos-te as respostas que queres ouvir". E os assessores e relações públicas não estão "do outro lado", mas dentro das próprias redações, trabalhando lado a lado com os jornalistas. Por vezes até a redigir as notícias em favor das causas que defendem.

Esta manipulação deve ser denunciada. O sindicato, ou outros órgãos da classe, devem apontar e debater este problema, sob pena do jornalismo se afundar no lodo do descrédito. Não é uma caça às bruxas, mas uma clarificação urgente na profissão. É preciso separar as águas, distinguindo quem faz jornalismo isento, daqueles que defendem causas privadas.

No caso da manifestação de "apoio à troika" não é preciso ir muito longe. Basta seguir as fontes, para perceber quem alimentou o embuste, e certamente descobrirão que houve jornalistas a produzir o isco e a montar a armadilha para apanhar os colegas na teia da manipulação mediática.

Publicado em Setúbal na Rede em 11-11-2013

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