quarta-feira, julho 01, 2015

Ecos da notícia


Noticiar é mais do que escrever uma notícia, é também escolher o que é – ou não é – noticiado e como essa informação chega ao leitor. Ao leitor cabe-lhe escolher a notícia que considera mais relevante, no órgão de comunicação social que na sua opinião é mais credível, e o texto escrito pelo jornalista que lhe parece mais claro e assertivo.

Dito desta maneira, parece que a diversidade de órgãos de comunicação social permite uma maior variedade, não apenas de pontos de vista sobre uma notícia específica, mas também uma multiplicidade de temas que não seriam notícia noutros jornais ou televisões.

Infelizmente, apesar de vários canais de televisão, algumas rádios, e um número ainda significativo de jornais diários, uma simples observação poderá comprovar que as notícias são as mesmas, mas também a perspetiva em que a notícia é abordada, os intervenientes entrevistados, e por vezes até as frases proferidas são repetidas por todos os canais.

Dir-se-á que este é um país pequeno, e não há assim tantas notícias. É verdade que muitas vezes não há por onde “fugir” ao assunto e, se a notícia é aquela, naturalmente que todos a vão dar. É verdade! Essa no entanto deveria ser a exceção à regra, todavia o mais comum é o contrário.
Quem está mais atento ao que se escreve e diz nos media, certamente reparará na dependência das notícias de agência. Para os que estão pouco familiarizados com a linguagem da comunicação social, explico que uma agência é uma espécie de grossista das notícias, que distribui pelos seus assinantes notícias e fotografias de acontecimentos, e dessa forma permitindo aos clientes da agência encaminhar os seus jornalistas para outras reportagens que farão a diferença relativamente aos outros medias.

O problema é que a crise no setor levou a cortes nas despesas e no pessoal, e os repórteres acabaram por ser dispensados, ou ficar sentados na redação, e as notícias da agência passaram a fazer os conteúdos da maioria dos órgãos de comunicação social. Como em Portugal só há uma agência – a LUSA – é fácil ver que a diversidade se fica por aí.

Um bom exemplo disso é uma notícia que foi publicada há alguns dias (e ainda perdura nas redes sociais) intitulada “Portugal é o quinto na lista dos países mais corruptos”. A notícia referia-se a um estudo da consultora Ernst & Young sobre a perceção da corrupção em 38 países. Ao lê-la percebe-se claramente que é um estudo sobre a perceção dos inquiridos, mas o título remete para uma afirmação taxativa de uma métrica verificável.

Se o corpo da notícia está bem escrito, o título recorre ao estilo “tablóide” exagerando o seu conteúdo. Seria de esperar que esse título não passasse no “crivo” da chamada imprensa séria, todavia não foi assim. Uma rápida pesquisa na Internet poderá revelar pequenas variações, mas o erro do título foi mantido em quase todos os órgãos de comunicação social portugueses.
Poderemos achar que foi desatenção ou impreparação dos jornalistas que em cada um dos media editaram a notícia, ou um exemplo mais evidente do clássico “corta-e-cola” que tomou conta das redações nacionais. Pode ser tudo isso e também a dependência das fontes de agência que retira ao jornalista os alertas de desconfiança.

Em vez de analisar os factos que têm em mãos, alguns jornalistas limitam-se a copiar e repetir sem espírito crítico. “Diz-se porque alguém disse”, e quem o disse merece confiança. Quando se confia, não é preciso verificar, nem alterar.

Como numa câmara de eco, a notícias são repetidas, e se os outros medias as repetem é porque só pode ser verdade. Acontece que às vezes são “meias-verdades”, ou mesmo uma mentira que, de tantas vezes repetida, se torna verdadeira.


Publicado em Setúbal na Rede 01/07/2015

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