Vivemos numa
era onde se proclama a liberdade de expressão com pompa e circunstância, mas a
realidade mostra-nos uma tendência oposta: uma censura disfarçada, subtil,
porém cada vez mais poderosa. O jornalista Lorenzo Ramírez, em declarações à
plataforma de notícias espanhola, Negocios TV, denuncia esta inversão de
princípios com lucidez. Segundo ele, estamos a assistir a um sequestro não só
da liberdade de expressão, mas também – e antes de tudo – da liberdade de
pensamento.
Ao contrário
dos regimes totalitários clássicos, que justificavam a repressão em nome da
segurança nacional ou da luta contra traidores, hoje a censura surge camuflada
sob o manto da defesa da democracia. Não se proíbe diretamente. Move-se a
janela de Overton – o leque de ideias socialmente aceitáveis – até que qualquer
desvio se torne impensável, e portanto, irrelevante. As pessoas aprendem a
calar-se, não porque lhes é imposto, mas porque desconhecem que existe outra
forma de pensar.
Ramírez
aponta como exemplo o discurso de Ursula von der Leyen em Davos, onde a
“desinformação” foi apontada como um dos maiores obstáculos à governação
global. Esta palavra tornou-se a nova desculpa para intervir, censurar e
controlar. Em nome da verdade, apagam-se vozes. Em nome do bem comum, molda-se
o pensamento. E tudo isto com uma sofisticação assustadora: projetos como o
“Elisa”, em Espanha, ilustram como os serviços de inteligência são hoje atores
ativos na guerra contra as opiniões divergentes.
A ciência,
antes espaço privilegiado para o debate, é outro terreno capturado. Durante a
pandemia, ou no debate climático, quem desafia o guião oficial é afastado,
perde financiamento, reputação e visibilidade. A lógica da verdade contra a
mentira foi invertida: já não se desmonta o erro com argumentos, silencia-se a
crítica.
Isto é
possível, diz Ramírez, porque o poder já não se apresenta em forma de força
bruta, mas de controlo tecnocrático. Quem detém o financiamento da
investigação, a publicidade dos media, a moderação das redes sociais e os
algoritmos das grandes plataformas, detém a narrativa – e a capacidade de
excluir os dissidentes. Esta aliança entre elites políticas, tecnocratas e
corporações não precisa de censurar diretamente. O silêncio é induzido por
exclusão e medo.
A verdadeira
batalha, contudo, não acontece nas cúpulas. Está nas conversas de café, nos
jantares em família, nos silêncios cúmplices entre amigos. Se aí não se ousa
dizer o que se pensa, se o medo do “politicamente incorreto” amordaça, então
já não é preciso polícia do pensamento – o cidadão tornou-se censor de si
mesmo.
Ramírez lança
um apelo: duvidem. Questionem as verdades únicas. Recusem-se a ser apenas
consumidores de narrativas embaladas. A dúvida não é um luxo; é a essência da
liberdade intelectual. E é esta dúvida que impede que, tal como no romance 1984
de Orwell, as pessoas acabem a rezar para que lhes digam o que devem pensar.
Hoje, a
censura é sofisticada. É digital, psicológica, económica. Mas é real. E
enquanto acreditarmos que somos livres apenas porque ninguém nos cala à força,
estaremos a abdicar dessa liberdade sem sequer nos apercebermos.