quarta-feira, junho 11, 2025

Fact-checking ou fact-marketing? Quando o Polígrafo ajuda a espalhar a desinformação que diz combater

 

Nos últimos anos, plataformas de fact-checking como o Polígrafo tornaram-se atores centrais no ecossistema mediático português. Reclamando para si a missão de “verificar os factos” e “combater a desinformação”, estas entidades conquistaram legitimidade institucional, presença nos grandes meios e, sobretudo, a confiança de um público preocupado com a verdade. No entanto, importa perguntar: estarão realmente a cumprir esse papel ou, paradoxalmente, a amplificar aquilo que procuram neutralizar?

Uma análise crítica à forma como o Polígrafo estrutura os seus conteúdos levanta sérias dúvidas. Com frequência, os títulos e aberturas dos artigos reproduzem — com grande destaque — a mensagem falsa ou enganadora, remetendo a sua refutação para os parágrafos finais. Ao fazer isso, ainda que não intencionalmente, alimentam o chamado efeito da influência contínua (continued influence effect), identificado por vários estudos em psicologia cognitiva.

O erro que persiste depois da correção

Segundo Stephan Lewandowsky e Ullrich Ecker, dois dos principais investigadores na área da desinformação, a correção de uma informação falsa raramente elimina o seu impacto, sobretudo se essa correção vier tarde, for ambígua ou menos saliente do que a mensagem original. Em vez de neutralizar o erro, o que acontece é que a informação inicial (neste caso, a mentira que o fact-check procura desmontar) permanece ativa na memória, influenciando julgamentos futuros — mesmo quando a pessoa se recorda da correção (Lewandowsky et al., 2012).

Este fenómeno é ainda mais perigoso quando a desinformação é apresentada logo no título ou nas primeiras linhas do artigo. Como bem demonstraram Pennycook e Rand (2019), o simples ato de repetir uma alegação — mesmo para a desmentir — pode torná-la mais familiar, e por isso mais credível, sobretudo junto de leitores distraídos ou em leitura superficial, como é comum nas redes sociais.

É exatamente este o padrão de muitos artigos do Polígrafo. A peça começa por destacar, sem reservas, a frase ou imagem falsa ("Político X disse que os imigrantes recebem mais do que os reformados"), e só depois de vários parágrafos surge o veredito: "Falso", "Impreciso" ou "Descontextualizado". Até lá, o leitor já absorveu — e muitas vezes partilhou — a narrativa errada.

Correção tardia, dano feito

As organizações de fact-checking têm justificado este modelo com o argumento da “transparência editorial” ou da necessidade de apresentar “o que está a ser verificado”. Contudo, isso ignora uma realidade central: o que é lido primeiro é o que mais marca. Como alertam Fazio et al. (2015), a nossa mente tende a reter mais facilmente a informação familiar e emocionalmente marcante — e a desinformação, por definição, é quase sempre construída para cumprir esses critérios.

Mais grave ainda: este tipo de construção pode funcionar como uma janela de oportunidade para a viralização da mentira, validada pelo prestígio da própria plataforma que a denuncia. A leitura apressada de um fact-check que começa com a frase errada e termina com um “falso” pouco visível é, para muitos utilizadores, indistinguível de um conteúdo jornalístico comum — contribuindo assim para o reforço do erro original.

Polígrafo ou amplificador? Uma crítica necessária

Não se trata aqui de pôr em causa a necessidade de verificar factos — pelo contrário. Trata-se de criticar uma forma específica de verificar, que ignora as evidências da psicologia cognitiva e os riscos de reprodução da falsidade. Plataformas como o Polígrafo têm a responsabilidade acrescida de compreender como funciona a memória, como se propagam as ideias, e sobretudo, como não perpetuar aquilo que dizem combater.

Como sugerem Lewandowsky e Cook no "Debunking Handbook 2020", as boas práticas de fact-checking passam por:

  • Evitar repetir a desinformação sem necessidade;
  • Dar destaque à correção, não ao mito;
  • Oferecer uma explicação alternativa clara e fácil de memorizar;
  • Usar linguagem simples e visualmente apelativa;
  • Prevenir, sempre que possível, com inoculação prévia (prebunking).

Estas práticas, infelizmente, estão longe de ser norma em muitos dos conteúdos publicados. Quando o jornalismo abdica da pedagogia em nome do clique, não é a verdade que vence: é a mentira que muda de roupa e continua a circular, legitimada por quem deveria travá-la.

Combater a desinformação é mais do que desmentir

Não basta desmentir a mentira — é preciso desmontar o seu apelo. E isso começa na forma como a estrutura informativa é apresentada. Se o fact-check repetir a falsidade com o mesmo destaque e dramatismo que a notícia enganosa, então transforma-se num instrumento de propagação involuntária da desinformação.

O jornalismo de verificação não pode funcionar com as mesmas lógicas de sedução que o jornalismo sensacionalista. Se o objetivo é educar, esclarecer e proteger o espaço público, é preciso colocar a verdade no centro — não como nota de rodapé, mas como abertura.

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Referências: