Há uma frase
que costumo repetir sobre a minha profissão: os jornalistas sabem quase nada
de quase tudo. Longe de ser uma autocrítica, é uma constatação sóbria da natureza
paradoxal do ofício: exige-se ao jornalista que trate, com clareza e urgência,
temas que especialistas levam décadas a dominar. Essa condição não é uma falha
— é parte da sua utilidade pública. Mas também exige que o jornalista saiba
onde começa o seu limite.
O problema
começa quando essa consciência se perde — e o que era um exercício de mediação
se transforma num palco de opinião. Refiro-me ao fenómeno do jornalista-comentador,
cada vez mais presente nos espaços de rádio e televisão, que discorre com igual
convicção sobre finanças públicas e geopolítica, decisões judiciais e
estratégias de saúde, política externa e política educativa. A figura que
deveria facilitar o entendimento transforma-se num emissor de certezas.
Mesmo nos
casos — poucos — em que o jornalista possui formação académica ou experiência
prolongada numa área específica, o seu papel não é o de perito. O jornalista
serve a compreensão pública, não a legitimação de teses. O seu dever é
esclarecer, contextualizar e apresentar diferentes vozes. Confundir este papel
com o de especialista é, além de imprudente, um risco para a qualidade do
debate democrático.
Walter
Lippmann, um dos teóricos fundadores do jornalismo moderno, já advertia para o
perigo dos pseudoambientes — simplificações inevitáveis que permitem
ao público interpretar um mundo demasiado complexo para ser conhecido diretamente.
Mas Lippmann alertava também que, se o filtro jornalístico abdicar do rigor e
ceder à dramatização ou à velocidade, torna-se instrumento de manipulação e não
de esclarecimento.
É tentador
opinar. Requer menos trabalho do que explicar. Exige menos escuta e mais
protagonismo. Mas é justamente esse protagonismo que deve ser combatido. Quando
o jornalista se coloca no centro do palco e abandona a mediação, deixa de
cumprir a sua função essencial: ser uma ponte entre o conhecimento e o cidadão.
Num tempo em
que a desinformação e o ruído competem com a verdade, o jornalismo não precisa
de mais opinião travestida de análise. Precisa de mais humildade, mais escuta e
mais compromisso com a transparência. Mesmo sabendo quase nada de quase tudo,
o jornalista pode — e deve — continuar a ser útil, desde que reconheça que a
sua força está, precisamente, na honestidade desse limite.
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