“Todos os jornalistas são de esquerda”. Uma frase que oiço
diversas vezes num tom que não permite réplicas, como se enunciasse uma verdade
científica. Porém, nenhuma destas pessoas alguma vez protestou pelo facto dos grandes
meios de comunicação social estarem concentrados nas mãos de grupos económicos
maioritariamente de direita.
Esta aparente contradição lança por terra o argumento que a
tendência política dos jornalistas influencia aquilo que escrevem. Na verdade,
nem todos os jornalistas são de esquerda, nem os grandes grupos económicos usam
o seu poder para imprimir uma cor politica aos seus órgãos de comunicação
social.
Isto não significa que os jornalistas não tenham preferência
política. Evidentemente que terão. Ainda que alguns – tolamente – proclamem a
sua “independência” argumentando que “até nem votam”. A verdade é que os
jornalistas são simultaneamente atores e produtores da realidade. Ou seja,
influenciam e são influenciados pela realidade de produzem. Por outras
palavras: Acreditam naquilo que escrevem, e o que escrevem é condicionado por
aquilo em que acreditam. Não é apenas uma questão de opção politica.
Alguns puristas dirão que o jornalista dá conta da
realidade, não a “produz”. Estão errados. Há muito que os jornalistas levaram
as notícias para o mundo da representação. Um universo com linguagem, códigos e
verdades próprias. São os jornalistas que decidem o que é notícia mas é o
conjunto dos órgãos de comunicação social que lhe atribui significado. Há como
que um acordo tácito distinguindo um acontecimento digno de interesse de outro
sem importância. O que é notícia num órgão de comunicação social acabará por
ser noticiado por todos os outros, ou deixará rapidamente de ser notícia.
O Sociólogo Pierre Bourdieu escrevia que os jornalistas têm
“óculos” através dos quais veem o mundo. Com eles conseguem ver certas coisas e
não outras. Mas, sobretudo, os jornalistas observam-se uns aos outros e
avaliam-se uns aos outros. E, ainda que as rivalidades pessoais e a
concorrência entre os órgãos de comunicação social espelhem uma aparente
diversidade, escondem um entendimento de fundo, em que todos têm de falar da
mesma coisa, sob pena de “não serem jornalistas, mas meros jornaleiros”.
Arrastados por este movimento, os restantes atores quer
sejam políticos, sindicalistas ou vítimas de inundações têm de conhecer bem o
seu “papel” para obter um lugar no palco mediático. É por isso que, ainda que
mudem os “atores”, o discurso do personagem é sempre o mesmo. Deste modo, o
universo mediático não só é produzido como se reproduz em todos os órgãos de
comunicação social, moldando os discursos e criando uma “versão oficial” do
acontecimento.
Deixem-me contar-lhes este episódio: Campanha eleitoral do
PSD em 1991. Em Aveiro, à porta do local onde iria realizar-se um jantar
comício do PSD, cerca de duas centenas de manifestantes aguardavam a chegada de
Cavaco Silva, na altura Primeiro-ministro. Todavia a caravana de Cavaco estava
atrasada algumas horas e entre os manifestantes perpassava algum desânimo.
Porém, quando se ligou o projetor da (na altura única) camara de televisão,
todo o grupo se agitou num frenesim, gritando palavras de ordem, como se o
próprio primeiro-ministro estivesse ali. Apagadas as luzes, os manifestantes enrolaram
as bandeiras e partiram. Quando Cavaco Silva chegou restavam poucas dezenas que
se limitaram a gritar algumas palavras de ordem, sem grande entusiasmo. O
espetáculo já tinha sido feito. A realidade tinha sido ultrapassada pela
ficção.
Significará isto que todos os jornalistas são de esquerda?
Não. Mas como explicou Pierre Bourdieu, tal como no cinema, a informação do
dia-a-dia poderia ser acompanhada por um longo genérico em que um vasto
coletivo contribuiu para a realização daquela obra. Se ela é “de esquerda” ou
“de direita” é apenas o resultado do espirito do tempo.
Quando me dizem que “Todos os jornalistas são de esquerda”
eu corrijo: “Não. São todos do Benfica”. Geralmente, os meus interlocutores
ficam satisfeitos.
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