sexta-feira, abril 06, 2012

De onde vêm as noticias?


Aqueles que têm uma visão romântica do jornalismo acreditam que as notícias se encontram como objetos perdidos na areia da praia. Basta esgravatar para descobrir algo, por vezes com valor. Ou talvez imaginem o repórter - como um espião - ouvindo a conversa na mesa de café ao lado e tomando notas num guardanapo de papel. Outros, mais empenhados nas teorias da conspiração, estão convencidos que em qualquer serviço público há um “Garganta Funda” que se encontra com os jornalistas, às escondidas, numa garagem de centro comercial.

Todavia, como explica o sociólogo britânico Phillip Elliott, o jornalismo é mais parecido com a agricultura, sedentário, do que com a caça, ativo e errante. Na metáfora de Elliott, o jornalista “semeia”, e cuida regularmente das suas fontes, mas - tal como na agricultura - não tem colheita garantida. Por seu turno, a pressão dentro dos órgãos de comunicação social para atingir objetivos quer em número de notícias, páginas ou minutos de emissão, leva o jornalista a concentrar-se nas “culturas mais produtivas”. A rotina acaba por deixar o jornalista preso às fontes mais acessíveis e proveitosas: geralmente os gabinetes de comunicação e as entidades que têm uma estratégia orientada para os media.

Simultaneamente, o jornalista quer ser o primeiro “a dar” aquilo que considera importante. Isso é-lhe exigido nas reuniões de planeamento dos seus órgãos de comunicação. Uma eventual falha de uma notícia, referida noutros media, pode significar desleixo ou falta de valor profissional. Esse medo de ser ultrapassado pelos outros, leva o jornalista a ler e a comparar o seu trabalho com o de outros jornalistas e a procurar contactar as mesmas fontes. Na prática, acabam todos a escrever as mesmas notícias, partindo das mesmas fontes.

Comparem-se as capas dos jornais com os noticiários nas rádios e televisões. As notícias e as fontes são as mesmas (e muitas vezes, as perguntas e respostas não acrescentam nada àquilo que já vinha escrito no papel). Mas também o que é próprio da rádio ou da televisão, como o comentário, um direto ou uma entrevista é depois repetido no papel, para no dia seguinte ser novamente tratado num percurso circular da informação em que um pequeno grupo de protagonistas tem lugar cativo na produção das notícias do dia-a-dia.

Os profissionais da comunicação sabem desta fragilidade dos jornalistas e para tirar proveito disso só têm de se transformar numa fonte “acessível e produtiva”, como os sindicatos, movimentos ambientalistas, alguns políticos e ONG’s. Ou enquanto facilitadores de algo verdadeiramente extraordinário.

Um bom exemplo de algo extraordinário foram as entrevistas aos quatro principais banqueiros portugueses, promovidas pela TVI. Geralmente arredados do foco da comunicação social generalista, os banqueiros concordaram em conceder entrevistas emitidas diariamente num um canal de televisão. Como reconheceu Judite Sousa, em declarações ao jornal Público (04/02/2012) “só mais tarde” percebeu que os banqueiros pretendiam pressionar José Sócrates a negociar o pacote de financiamento externo.“Acabei por […] fazer parte de uma narrativa que foi meticulosamente preparada pelos banqueiros” disse Judite de Sousa.

Como escreve Nelson Traquina: “o acontecimento cria a notícia, a notícia cria o acontecimento”.

Publicado em Setúbal na Rede em 05-03-2012 

Sem comentários: