segunda-feira, abril 02, 2012

O Pau e a Cenoura


O anúncio foi discreto. No final de uma reunião entre o ministro Miguel Macedo e os diretores de Informação dos órgãos de comunicação social foi anunciado que “o Ministério da Administração Interna (MAI) vai promover encontros com os media para preparar a cobertura de manifestações e outros movimentos de contestação” como a última greve geral.

As notícias que referem o anúncio do ministro não dão conta de qualquer indignação dos diretores dos órgãos de comunicação social presentes. Confesso que não estive na reunião e, admito que algo me tenha escapado, por não ter sido referido nas notícias que fizeram o relato deste encontro. Não tenho os diretores dos media portugueses por ingénuos mas reconheço que vivermos tempos em que já nada nos surpreende.  
  
De uma maneira geral - e interpretando a notícia veiculada pelos media - o governo pretende que, para evitar que se repitam incidentes como aqueles que envolveram jornalistas e policia durante a ultima greve geral, os media e os comandos policiais se reúnam previamente, para prepararem uma ação coordenada, à semelhança que se faz com a visita de chefes de estado estrangeiros, alguns eventos desportivos, ou cimeiras como a da Nato. 
  
Diga-se, em abono da verdade que, do ponto de vista jornalístico é sempre interessante saber o que as autoridades pensam sobre a realização de determinado evento. Mas, geralmente o que acontece nesses “breefings” preparatório de eventos com “máxima segurança” é a delimitação do espaço de atuação do jornalista, que fica confinado a determinadas “janelas” para os fotógrafos, para as TV’s, ou para as conferências de imprensa. Por outras palavras: retirar os jornalistas da frente e limitá-los a “espaços seguros”.
  
A ideia de Miguel Macedo não é nova, ela foi “estreada” durante a primeira guerra do Golfo, com os jornalistas - como Artur Albarran - trajados com o camuflado militar e que utilizavam veículos e instalações militares. Trata-se do “jornalismo embedded”, o jornalismo que se junta às tropas, que veste a farda e tem treino militar. O jornalista que, em troca de proteção e segurança, tem de aceitar a hierarquia militar e não pode revelar tudo o que sabe e vê, para não pôr em causa a missão. Talvez por isso Artur Albarran terminava sempre as suas peças com o célebre “algures na Arábia Saudita”.
  
Mas o “jornalismo embedded” tem riscos. Ele dá aos comandos militares o poder de escolher quem vai a um determinado ponto da linha de combate. No fundo, quem tem acesso a determinada informação. Privilegia-se os meios mais importantes e castiga-se os jornalistas mais “desobedientes”. Talvez por isso Artur Albarran não tenha saído da Arábia Saudita quando a guerra era no Koweit e Iraque.  

Ao escolher o que os jornalistas vêem, apenas se deixa ver um lado, que é precisamente o lado que se quer que seja visto.

Miguel Macedo sabe isso. Com a sua proposta de breefings o ministro quer colocar os jornalistas “do seu lado”, pondo-os onde os possa ver e controlar. Em troca, garante-lhes proteção. Por isso propõe coletes e braçadeiras para que as forças policiais possam distinguir os jornalistas dos manifestantes. É que, embora uns e outros possam apanhar com o cassetete, nos jornalistas a pancada do cassetete faz mais barulho e isso é uma maçada para o ministro.

Um dos princípios do Estado é o monopólio do uso da força. Só os estados podem exercer a violência e só algumas forças do estado a podem utilizar. Isso é inegável. E aceite. O que não se pode aceitar é que essas forças não sejam capazes de distinguir entre um manifestante e um jornalista. Ou mais grave ainda: não consiga ver diferenças entre um manifestante ordeiro e outro desordeiro.  

O Ministério da Administração Interna não pode transformar as manifestações num “jogo do mata” onde só se safa quem estiver no “piolho”. O problema não é se os jornalistas devem ficar protegidos da carga policial. É muito mais grave: Se as forças policiais não são capazes de distinguir entre um cidadão honesto e um desordeiro, então é porque não são muito diferentes das forças policiais das ditaduras.

Publicado no Setúbal na Rede em  02-04-2012 14:13

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