quinta-feira, abril 24, 2014

A "ameaça russa" não é o que parece


A recente crise na Ucrânia relançou o debate sobre o alargamento da NATO, mas também sobre o reforço militar da aliança no leste europeu. Os mais atentos notarão o pouco entusiasmo da Alemanha numa resposta mais militarista à Rússia, mas provavelmente associarão isso aos fortes laços económicos entre Berlim e Moscovo. Embora tal seja verdadeiro, não é toda a verdade.

Para os Estados Unidos, o crescimento da NATO e do peso militar na geopolítica europeia representa mais influência norte-americana na Europa. Em contrapartida, para a União Europeia, o alargamento significa atraso nos seus planos para se autonomizar dos EUA.

A ideia de que a Europa une todos os países membros da UE, centralizando a decisão em Bruxelas, pode ser verdade para os transportes, economia, ou políticas sociais, mas não é para a defesa. Não existe uma União Europeia dos ministros da Defesa e a própria defesa da UE é do domínio de cada Estado-Membro.

A NATO é assim a única organização de Defesa na Europa. O problema é que nem todos os países da União Europeia estão na Aliança Atlântica, e há países que integram a NATO e não fazem parte da UE. Um deles chama-se Estados Unidos da América, um parceiro desejado por todos, porque é dissuasor para qualquer eventual ameaça, e que liberta os governos europeus de pesados orçamentos militares.

O inconveniente é que os Estados Unidos têm a capacidade de influenciar a diplomacia europeia e, se isso é irrelevante para Estados como Portugal, Reino Unido ou Polónia que desde sempre tiveram a bússola apontada para os EUA, já não é válido para os Estados que ambicionam ter uma posição de potência regional no continente Europeu. Foi assim com a França e é agora com a Alemanha.

Os alemães "mandam" na Europa e querem conduzir a sua política externa (e a política externa europeia) à sua maneira. Os pilares da diplomacia alemã assentam no reforço da União Europeia e na expansão da sua influência para leste. Porque não convém que essa expansão seja feita em nome alemão (por razões históricas), Berlim aposta numa Europa do Euro, uma federação onde o peso económico será relevante, e esse peso é maioritariamente alemão.

A "ameaça russa" serve os interesses alemães porque valoriza o projeto europeu, retirando influencia aos movimentos nacionalistas que têm crescido na Europa, mas é pontual, só interessa até às eleições europeias. O crescimento económico alemão vai fazer-se a leste, não até à Rússia, mas com a Rússia. Tal como os russos, os alemães têm uma visão continental da geopolítica e isso perturba os países que ficam entre os dois.

O reforço militar norte-americano na Polónia e países bálticos não é apenas uma pressão sobre os russos, mas também uma "força de interposição" entre os dois gigantes continentais. Uma garantia que a Polónia não será mais uma vez partilhada entre Berlim e Moscovo. Não que esse risco exista atualmente, mas é uma mensagem dos EUA que conforta psicologicamente os cidadãos do leste europeu.

O alargamento da NATO e da presença norte-americana na Europa, além de proteger de uma ameaça russa, tem o poder de confortar os Estados europeus de que a sua segurança não será garantida pelos seus vizinhos. Pode ser bom na perspectiva de cada Estado, mas isso tem impedido a Europa de encontrar uma solução para a sua própria segurança e condiciona a sua segurança às opções geopolíticas norte-americanas.

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