No último domingo (3 de maio) assinalou-se o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. A data foi instituída em 1993 pelas Nações Unidas para destacar um dos direitos fundamentais da sociedade, mas o relatório anual dos Repórteres Sem Fronteiras mostra que há pouco para celebrar.
O ano de 2014 foi marcado pelo ataque ao semanário satírico francês Charlie Hebdo e se – por um breve momento – o sangrento acontecimento chamou a atenção para as ameaças aos jornalistas em todo o mundo, também é certo que para a maioria dos políticos tudo se resumiu a uma pose para a fotografia, com o lápis na lapela. O tempo acabou por atirar para as hemerotecas a memória desses dias em que todos eram Charlie.
Não deixa de ser irónico que os medias sejam também vítimas da voragem com que absorvem, exploram e esquecem as notícias de cada dia. Só isso explica por que razão a data, em Portugal, passou despercebida. E todavia tinham um recente exemplo do ataque doméstico à liberdade de imprensa: o esdrúxulo projeto de lei sobre a cobertura jornalística das eleições, apresentado pelo PSD, PS e CDS-PP.
A ideia de um “controlo prévio” partindo de um leque tão abrangente de partidos do arco da governação deveria ser uma séria preocupação para os jornalistas. Ainda que a proposta original tenha acabado no “caixote do lixo legislativo”, o cercear da liberdade quer em alterações legislativas quer nas condições laborais, são ameaças permanentes que deveriam deixar alerta os jornalistas. A data proposta pelas Nações Unidas acabou por ser uma oportunidade perdida para fazer essa reflexão.
Naturalmente que o relatório dos Repórteres Sem Fronteiras (há também o da Freedom House com o mesmo objetivo, embora com resultados ligeiramente diferentes) aponta os “suspeitos do costume” – Síria, China, Coreia do Norte e Eritreia – para o topo da lista de violações à liberdade de imprensa e, se o papel dos jornalistas nesses países deve ser considerado, também valerá a pena meditar porque é que Portugal surge atrás da Jamaica, Eslováquia, Namíbia e Costa Rica na lista dos países com mais liberdade de imprensa.
Mas, se olharmos para os “medalhados” habituais, Noruega, Finlândia e Dinamarca, percebemos que nesses países são os jornalistas – e não os políticos – os responsáveis pela regulação. Onde existem Conselhos de Regulação formados por jornalistas, editores e leitores que analisam a pertinência das queixas e onde subsiste um efetivo direito de resposta.
Em Portugal, os jornalistas preferem deixar para outros a preocupação de os regular, na esperança que a qualquer momento podem pôr o crachá na lapela a dizer “Je suis Charlie”, um gesto mágico que tudo pode travar. Talvez um dia seja tarde demais.
Fernando Pessoa perguntava: “De que serve a liberdade de pensamento a quem […] não pode pensar?” Com efeito, para que serve a liberdade a quem não a sabe usar?
Publicado em Setúbal na Rede em 04/05/2015
1 comentário:
thx
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