segunda-feira, fevereiro 06, 2012

O valor da notícia




Porque há notícias que valem mais que outras?

Porque é que um naufrágio na Papua Nova Guiné – onde terão morrido mais de cem pessoas – não tem o mesmo destaque mediático que o naufrágio de um navio de cruzeiros na costa italiana?

Podem parecer perguntas de retórica, mas que nos levam a refletir sobre os critérios de seleção das notícias pelos jornalistas.

Quando olhamos para um jornal ou para o alinhamento de um telejornal raramente nos interrogamos porque é que certas notícias têm um destaque diferente de outras ou, porque é que algumas notícias, que consideramos importantes, têm nos media um tratamento breve, ou são esquecidas pelo alinhamento informativo.

Seria uma ilusão pensar que, quando ouvimos uma síntese informativa na rádio logo pela manhã, que aquela é “toda a informação” – ainda que resumida – de tudo o que aconteceu enquanto estivemos a dormir. Será quanto muito “o essencial da informação” ou “a informação relevante”, o que implica necessariamente uma escolha. Mas, quem escolhe as notícias que nos são apresentadas diariamente?

A resposta óbvia é: “o jornalista”. E todavia, como assinala o sociólogo Pierre Bourdieu, os jornalistas têm “óculos” através dos quais “vêem certas coisas e não outras, e vêem de uma certa maneira as coisas que vêem”. Ou seja, o mundo apresentado pelos jornalistas é já o reflexo do modo como estes vêem o mundo.

Os jornalistas procuram definir a notícia à luz de três critérios: Novidade, Proximidade, Importância. Não são os únicos critérios que definem o que é notícia, mas serão certamente os mais citados. A chegada do homem à Lua, sendo importante não é propriamente uma novidade, do mesmo modo que o naufrágio na Papua Nova Guiné, sendo importante está mais distante que o naufragado Costa Concórdia, que até transportava turistas portugueses. Além de que, do sudeste asiático até à mais remota ilha da Oceânia, os naufrágios acontecem com infeliz regularidade. Fica assim, aparentemente, “arrumada” a resposta à minha segunda pergunta. Mas não é suficiente para responder à primeira.

Porque há notícias que valem mais que outras?

Um dos critérios que valoriza a notícia é A Morte. “Onde há morte, há jornalistas”escreve Nelson Traquina no seu manual sobre jornalismo. Com efeito, os jornais televisivos mostram-nos diariamente guerras, tragédias, atentados. Sangue. Nesse aspeto, um paquete tombado, como uma baleia encalhada na praia “vale mais” do que alguns destroços indiferenciados a flutuar no mar azul. Ainda que o número de vítimas tenha sido muito maior no segundo, “a morte” é mais evidente no primeiro. É por isso que, quando um barco de pescadores desaparece no mar, os jornalistas não acorrem aos centros de busca e salvamento, nem se juntam às equipas que procuram os desaparecidos. Preferem a dor dos familiares. A ausência não “vende”, as lágrimas sim.

Isto não significa que o jornalista seja alguém destituído de valores morais e, qual ave necrófaga, esteja sempre à procura do próximo moribundo para o acompanhar até ao seu estertor final. Não, o jornalista acredita que o seu papel é informar as pessoas sobre assuntos que interessam a essas pessoas. Um jornalista não diz “eu gosto de sangue”, mas pensa: “os meus leitores querem sangue”. Porém, ao escrever o que julga interessar aos seus leitores, o jornalista está também a ditar-lhes o que lhes deve interessar.

Publicado em Setúbal na Rede - 06-02-2012 09:48

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